Lima Barreto na Barretos da literatura

Lima Barreto na Barretos da literatura

Diário da Flip,
26 de julho de 2017

Começou a Flip. Como todos sabemos, o homenageado dessa edição é o grande escritor Lima Barreto. Para mim, um dos grandes mistérios da humanidade é o motivo de Lima Barreto nunca ter se transformado em um ícone dos movimentos por direitos civis brasileiros. Parece que esse erro histórico ameaça ser corrigido nessa Flip, uma vez que a fala de abertura foi justamente sobre isso. Os convidados foram o ator Lázaro Ramos e a historiadora Lilia Schwarcz, que está lançando uma biografia do escritor, definindo-o como um triste visionário. Tudo como manda o figurino. Pode ser o marco de algo muito positivo, embora a plateia fosse formada majoritariamente por caucasianos de classe média. Mero detalhe.

Mas o que me preocupa não é o aqui e o agora, mas o depois de amanhã. Temo que a Flip represente mais texto do que contexto. Texto porque, agora que abriram as livrarias na cidade, Paraty foi tomada por livros de Lima Barreto. Romances, contos, biografias, diários. Se as pessoas levassem à sério a máxima lobatiana de que “um país se faz com homens e livros” eu estaria otimista, mas me parece que todo esse papel vai ficar mais nas estantes do que ao alcance das mãos. Isso porque a Flip é meio que a Barretos da literatura. Em Barretos os Cowboys (garotos vacas) e as Cowgirls (garotas vacas) disputam quem bebe mais cervejas e beija mais pessoas em uma noite, enquanto na Flip se disputa quem compra mais livros e bebe mais cervejas, nessa ordem. Em ambos os casos, não é necessário lembrar do que se fez na noite anterior. Vale o momento e as postagens de fotos nas redes sociais. Ou seja, os textos podem não virar contexto. E ano que vem tem outra Flip, com outro homenageado, e não sei se um ano é tempo suficiente para se ler tantos livros comprados. A vantagem da cerveja é que seu consumo é imediato.

Em todo caso, não sei se nosso zeitgest aceita que um intelectual se torne herói do povo. Faço votos que não, que essa Flip seja uma nova Califórnia e não apenas recordações sobre o triste fim de um escrivão que não falava javanês.

Ademir Luiz

É doutor em História e pós-doutor em poéticas visuais.