À medida que avançamos, deixamos para trás um bocado de nós

A gente insiste no desejo de abraçar o mundo. Não sei bem se isso é um defeito incorrigível ou uma bonita maneira de reconhecer a enormidade de universos que há para explorar. De toda forma, é inviável. Seja uma vontade infantil dos eternos insatisfeitos com o que possuem ou uma admirável tentativa de não sucumbir à mesmice, não deixa de ser inútil. Não temos braços e fôlego para abarcar a totalidade do que nos falta mantendo, ao mesmo tempo, o que nos sobra. Resta, então, a dura e inevitável escolha. Abrir mão de algumas coisas para conquistar outras… Aceitar que renunciar é, sobretudo, liberar espaço para novos caminhos.

Funciona com armários e com a vida. Chega uma hora que não cabe mais. A gente tenta fazer puxadinho, apertar, comprimir, guardar o excesso embaixo da cama ou no fundo do peito. Mais cedo ou mais tarde, porém, é preciso admitir que a solução é dispensar o que transborda. Vai doer dizer adeus ao sapato de estimação da década passada e aos vícios emocionais já internalizados como parte fundamental do que somos. Mas apenas por pouco tempo, até que as lacunas sejam preenchidas pela novidade que aguardava ansiosa para revigorar o que estava coberto de teias e mofo.

É um exercício de maturidade acatar a ideia de que não se pode ter tudo. Somos sonhadores marrentos que querem a tranquilidade do campo e a modernidade das grandes cidades, estabilidade e aventura, amores fieis e romances múltiplos, corpos sarados e bacon crocante. Queremos a adrenalina das descobertas do que é diferente e a segurança do que é familiar. Banho de chuva sem tosse, liberdade e posse, morar em mil países e ter a família por perto. Queremos o sapato novo e o velho (mesmo que esquecido no canto do armário abarrotado). Almejamos uma realidade pincelada pela ilusão de que dá para somar sem subtrair.
É possível, sem dúvida, equilibrar doses de muitos sabores e experimentar variadas sensações. Não estamos fadados a seguir direções maniqueístas. Podemos compor a trajetória com diversidade, num mosaico de possibilidades. Mas não sem perder um bocado de nós pelo percurso. À medida que avançamos, deixamos para trás pedaços do que um dia foi precioso. É o necessário ciclo de perdas e ganhos nos mostrando que, entre prazeres e êxitos adquiridos, algo de bom será sacrificado.

Parece uma lógica um pouco cruel essa que contraria nossa expectativa de guardar em um baú tudo aquilo que nos faz bem sem nos desprendermos de nada. E, paralelamente a isso, acumular o que está por vir. Talvez porque, desde muito cedo, apesar de apegados ao que conquistamos, nos condicionamos a desejar aquilo que está ausente, muito mais do que a saborear o que concretamente já é nosso (aquele comportamento platônico que bem conhecemos). E aí começa essa batalha louca e intensa que consiste na alternância entre abrir-se para receber o mundo que falta e fechar-se para não perder o mundo que há. Mas como já sabemos, não dá para ter tudo… Estamos presos à engrenagem que nos rege movida pelo peso das renúncias aliviado por recompensas posteriores.