Já percebeu que quase todas as listas estão sempre organizando os melhores em uma categoria? Algo que esteja acima do senso comum, que represente algo realmente bom. Mas e quando a procura é pela personificação do pior? Digo, dentro das artes cênicas é quase um conceito geral que representar um vilão dá geralmente mais visibilidade que atuar como o mocinho, que está preso por uma série de leis e regras nas quais seu antagonista não só pode como adora pisotear e depois rir em alto e bom som.
E, Darth Vader que me perdoe, mas quem seria mais “vilãozão” que o próprio Demônio, Mefistófeles, o Diabo? Chame-o pelo nome que quiser, uma coisa é inevitável: toda vez que o cinema representou o Senhor das Trevas houve a possibilidade de grandes atuações. Então, antes que o inferno congele, eis a lista dos dez mais.
Eu sei, começar uma lista de cinema citando um filme de Adam Sandler é uma heresia, mas pensem: estamos falando de demônios, daí tem tudo a ver! E mesmo que o filme seja osso, o bom/mau e velho Harvey está lá para salvar o dia com sangue, suor e chifres. Na verdade, na maioria das outras listas ele acaba sendo uma menção honrosa, mas calhou de entrar nesta só pela cena com o “Hitler empregadinha”. É tosca, de mau gosto e nojenta. Tudo o que todo mundo sempre desejou para o lazarento do Adolph.
Tendo acabado de filmar “Stigmata”, onde dava vida a um padre, Byrne trocou a batina pelo tridente e passou literalmente para o outro lado: na trama que aproveitava o clima apocalíptico do bug do milênio, ele deu vida a um diabo mais comedido que outros da lista, mas não menos perigoso. Afinal, ele tinha que encarar ninguém menos que Arnold Schwarzenegger.
Outra comédia onde o Cramunhão dá as caras. O Belzebu da vez é ninguém mais, ninguém menos que Dave Grohl, lendário baterista do Nirvana e líder do Foo Fighters. E a ironia é colocar justamente um roqueiro para personificar o diabo, aquele que, reza a lenda, adora comprar as almas dos pobres músicos que querem se tornar astros do rock. Sem contar que a maquiagem ficou perfeita: perde o quesito fantasia e adereços somente para o número 6 da lista. Mas por pontos.
Mesmo com os cabelos negros (ao contrário dos loiros do personagem dos quadrinhos), Neo, digo, Keanu Reeves não destoou do estilo do personagem, fazendo uma boa atuação no mesmo filme em que Tilda Swinton fez um Anjo Gabriel espantoso e que tinha a presença angelical de Rachel Weisz. E ela só precisaria respirar para dar tudo certo. Mas daí aparece Peter Stormare e rouba a cena, o palco, a coisa toda. E ele não precisou de mais que cinco minutos para isso.
Um clássico da Sessão da Tarde que fez toda uma geração ter aquela personificação de Tim Curry como a definitiva para o Tinhoso. Apesar de Tom Cruise, em tempos pré-Cientologia e “Top Gun”, não entregar a rapadura, fazendo um mocinho como os mocinhos têm que ser, é o diabo de Curry quem toma conta do picadeiro. Ou da floresta encantada, no caso. Ah, o prêmio especial “fantasia e adereços” vai para ele, nota 10 no quesito.
Nesta comédia dirigida pelo ex-Caça-Fantasmas Harold Ramis, a inglesinha Hurley deita e rola – literalmente — na pele e nos cascos do Senhor / Senhora das Trevas. Divertidíssimo ver suas mudanças, sempre no limite da sensualidade, a cada um dos 7 desejos mal-ajambrados que concede ao pobre Elliot, vivido por Brendan Fraser, também em ótima atuação. Vale lembrar que Miss Hurley leva a coroa de Miss Simpatia das Trevas também. Detalhe: este filme é um remake do inglês “O Diabo é Meu Sócio”, estrelado por Dudley Moore e Raquel Welch, com Peter Cooke como o “sócio”. E que, pensando bem, deve ser levado em conta em uma próxima lista…
Nesta comédia (mais uma? O inferno é o que, uma piada?) vinda de um romance de John Updike, o carismático Nicholson dá vida a um diabo excêntrico e bon vivant, que escolhe três belas mulheres para atazanar. As caras e bocas que ele faz, juntamente com sua famosa arqueada de sobrancelhas, são um espetáculo à parte. Para que maquiagem especial se o ator principal faz isso tudo sem ficar parecendo Jim Carrey? E quem não gostaria de ter em seu harém Michelle Pfeiffer, Susan Sarandon e Cher? Isso seria um paraíso, seu Jack!
Aqui é onde se separam os meninos dos homens. Ou as comédias de filmes mais sérios. Embora seja um filme independente, rodado em 1993 e só lançado dois anos depois, sabe-se lá por que, “Anjos Rebeldes” trouxe um diabo oficial, Lúcifer, interpretado magistral e rapidamente por Viggo Mortensen, provando mais uma vez que quando a atuação é boa não é o tempo de tela que conta. E digo “oficial” porque a história é tocada por outro anjo que resolveu criar uma outra guerra no céu, sendo assim uma espécie de cover do original: o Arcanjo Gabriel, personificado por Christopher Walken de forma soberba. Tão bem que merece até uma menção honrosa, já que os demônios no caso são basicamente anjos caídos ou rebeldes. E é claro que os humanos, aqui representados por um policial ex-seminarista (Elias Koteas, na época cotado para ser o “próximo De Niro”) e uma professora (Virginia Madsen) acabam entrando na parada para impedir que a alma de um coronel porra-louca, recém-falecido, seja adicionada ao exército dos rebeldes, dando a eles condições para vencer a guerra. No fim, a providencial ajuda de Lúcifer é que acaba salvando o dia, mas isso não é por ele ser bonzinho; é porque não quer a concorrência de um segundo inferno. Ou como ele mesmo diz: “Deus? Deus é amor, e eu não amo você”. Negócios, simplesmente.
A atuação de Pacino é um soco no estômago, um cruzado de direita que entra pela guarda aberta e estatela o espectador no sofá, na cama, onde ele estiver. Dono absoluto do set, seu John Milton — uma pegadinha literária com o autor de “Paraíso Perdido”, o poema épico sobre a queda de Lúcifer — reina por onde passa. E engambela um jovem e ambicioso advogado, Kevin Lomax — Keanu Reeves, perfeito quando faz cara de tapado —, convencendo-o a deixar os pântanos da Flórida e seguir para a Grande Maçã, onde o pecado nunca dorme. No decorrer do longa o trabalho do Diabo é levar o pobre Lomax a se locupletar de poder e dinheiro, fazendo com que deixe sua esposa, Mary Ann — Charlize Theron, espantando o mundo com sua beleza no primeiro grande filme de que participava, embora não demonstre ali as qualidades que a fizeram ganhar um Oscar por “Monster” ou a unanimidade da “Imperatriz Furiosa”. É uma bela peça de decoração, praticamente — cada vez mais solitária e deprimida. Na verdade o plano do capiroto é fazer com que Kevin gere um filho com a meia-irmã, em um incesto que traria o Anticristo ao mundo para que Milton tomasse posse dele definitivamente. E é claro que alguma coisa aconteceria para que o plano dele entrasse pelo cano, ou a humanidade penaria em um inferno aqui mesmo na Terra. O famoso discurso final, herético, debochado e no fundo demonstrando grande ressentimento e inveja de seu Criador, vale praticamente por todo o filme. Que é fechado com um verso retirado do poema do outro Milton, o poeta: “Melhor reinar no Inferno que servir no Céu”.
Um clássico caso onde a tradução do título original tirou muito da graça da coisa — só para variar. O original “Angel Heart” leva o espectador a seguir o detetive Harry Angel — Mickey Rourke, nos saudosos tempos em que era mais conhecido por ser um ator promissor que um ex-pugilista que explodiu a boa pinta no auge da fama — em um thriller recheado de alusões a magia negra e pactos eternos, ambos assuntos relacionados ao Coisa Ruim. Contratado pelo enigmático Louis Cyphre para encontrar o desaparecido Johnny Favorite, vive um caso de gato e rato, com uma sequência de mortes em que está sempre um passo atrás do assassino. Tudo isso dentro de um clima noir. Até o extraordinário final — estragado em parte pelo erro de tradução acima citado —, esta é uma pequena pérola de Alan Parker, em que De Niro estava no auge da forma e atuação. E, sejamos francos, ele não atuou: aquilo foi uma verdadeira incorporação. Só assim para poder explicar sua presença em cena — algumas poucas cenas, é verdade —, onde consegue colocar tudo em segundo plano, até mesmo a atuação de Rourke, nada menos que sensacional e tão obstinado quanto sua personagem. E a cena final, quando Harry Angel se dá conta de que corria atrás do próprio rabo, é esplendorosa; é o ápice da transformação tanto de seu personagem, antes um homem bem-humorado e falastrão, quanto do Louis Cyphre de De Niro, literalmente com sangue e fogo nos olhos…