Não vai ser por território, petróleo ou por hegemonia econômica. A terceira guerra mundial vai brotar da cada vez mais ferrenha disputa pelo título de dono da verdade. Bombas e mísseis cairão sobre os que ousam não concordar com a sentença sacramentada como certa por quem recorre ao ataque para defender seu ponto de vista. Se não bastar o argumento bem elaborado, estará permitido lançar mão de foices e fuzis para saciar o ego daqueles que, incomodados com a divergência, exterminarão na força bruta as discordâncias do caminho. Por fim, restará ao vencedor erguer em praça pública o troféu de senhor da razão.
Essa é apenas uma tola profecia apocalíptica, mas nem tão distante das agressões verbais e ofensas raivosas que têm permeado a internet, os debates televisivos e as salas de jantar. Pode ser que minha memória, tendenciosa a dourar o passado, esteja me traindo. No entanto, não me recordo de conviver durante a infância com essa agonia desenfreada que desestabiliza quem não consegue dar a última palavra. A maioria das discussões era diluída por uma piada qualquer ou um afazer doméstico que dispersava o foco do tema controverso. Hoje, basta um singelo questionamento ao outro para que se inicie uma interminável maratona de duelos.
Discutir é bom. Aliás, só assim a gente abre um pouco essa mente acomodada. Mas discutir só é bom quando estamos tão interessados em ouvir quanto em falar. Há a impressão de que, iniciada a defesa da própria tese, revê-la à medida que as ponderações opostas se mostram mais sensatas é render-se à humilhação. Dar o braço a torcer cada vez dói mais. É como se estivessem em jogo a inteligência e o poder. Perder a discussão equivaleria a perder a própria honra.
E isso serve para a famigerada batalha política que tem nos maltratado e para os embates familiares sobre a hora ideal para o filho dormir. Serve para os desentendimentos sobre conflitos étnicos e sobre a cor da parede do quarto. Ser contrariado machuca no âmago. Nós nos desacostumamos a ter o desejo negado e os ideais rebatidos. No momento da objeção, cai por terra a fantasia de que podemos ter o que quisermos ou conduzir o mundo da forma que nos for mais aprazível. E aí começa uma luta à exaustão para retomar essa gostosa sensação de ter nas mãos controle e soberania.
Ironicamente, nunca se falou tanto em tolerância. E nunca houve tanta picuinha por besteira. Estamos viciados em polemizar. Inclinados a rivalizar, na marra. Às vezes por pura pirraça. Parece um passatempo divertido, mas é só um jeito de prejudicar o miocárdio. Reza a lenda que o homem mais velho do mundo passou a vida dizendo “tudo bem, você está certo” a quem procurava briga. Perdia a discussão, ganhava tempo para completar o livro de palavras cruzadas, regar as plantas e curtir uma soneca.
Não que valha a pena construir a trajetória dizendo “sim” para o mundo e “não” para si mesmo. Defender as próprias vontades é questão de sobrevivência. Mas quando está em jogo apenas o triunfo da vaidade, compensa deixar para lá… Virar as costas para o ringue, poupar desgaste irrelevante, fazer um chá de camomila e degustá-lo com um pacote de bolachas assistindo ao filme preferido. (Sim, não é biscoito. O certo é bolacha. Mas não vamos discutir).