Era uma tarde silenciosa em Londres — ou talvez nem tanto; talvez chovesse, talvez algum sino antigo soasse à distância — quando, entre cálculos, mapas astrológicos e folhas já manchadas pelo tempo, Sir Isaac Newton rabiscou algo que, para ele, parecia inevitável: uma data para o fim do mundo. Não um final cinematográfico, com meteoros cortando o céu e multidões em desespero. Não. Para Newton, o apocalipse se daria em 2060 — discreto, quase resignado, como uma peça que se encerra devagar, num último acorde que ressoa por um instante… e depois se apaga.
É estranho pensar — não é? — que o mesmo homem que moldou as bases da ciência moderna também tenha se deixado levar pelas marés do misticismo. Mas talvez, só talvez, para Newton essas duas forças não fossem inimigas. Talvez fossem, na verdade, duas faces do mesmo espelho. O cientista que revelou a gravidade era também o alquimista que decifrava pergaminhos antigos, o estudioso das profecias que tentava encontrar, entre as letras trêmulas da Bíblia, alguma lógica oculta no destino humano. E assim, com a precisão de um matemático… e a inquietação de um poeta, desenhou o fim em números, frios e inevitáveis.
E agora aqui estamos nós, movendo-nos pelas décadas como quem atravessa uma ponte que já range sob os pés, olhando de esguelha para um número que já não parece tão distante assim. 2060. Não mais uma ficção remota, mas um marco logo ali na esquina da história. Claro, é fácil — e confortável — tratar isso como uma extravagância juvenil de um gênio. Mas… e se não for? E se, entre cálculos e preces silenciosas, Newton tenha vislumbrado algo que nós, em nossa pressa e barulho, simplesmente não conseguimos mais enxergar?
Sua previsão, diga-se, não repousava nos tratados famosos, nem entre suas explorações sobre a luz ou o movimento dos corpos celestes. Foi descoberta anos mais tarde, em papéis esquecidos, misturados a diagramas alquímicos e anotações febris sobre o Livro de Daniel e o Apocalipse de João. Manuscritos sem pretensão pública, quase íntimos, onde Newton, sempre meticuloso, tentou transformar símbolos em números, profecias em equações. Sem estardalhaço. Sem a menor intenção de convencer o mundo — talvez apenas para aquietar uma angústia que nem ele soubesse nomear.
É tentador — perigosamente tentador — descartar tudo isso como delírio de um homem cansado. Afinal, Newton viveu em um tempo em que ciência e feitiçaria dançavam na mesma festa, ainda que em lados opostos da sala. Mas há algo desconfortável, quase desconcertante, na forma metódica como ele construiu sua data final: não por impulso, não por superstição. Por cálculo. Por pura aplicação lógica a textos que, para a maioria de nós, são indecifráveis metáforas.
E então, de repente, a pergunta se instala — como uma pedra pequena no sapato: e se ele estivesse certo? Não certo no sentido explosivo que gostamos de imaginar, mas certo naquilo que já começa a se insinuar: o desmoronamento lento das estruturas que acreditávamos eternas. Democracias frágeis. Clima à beira do colapso. Relações humanas desfeitas em redes digitais. O fim, talvez, não venha com um estrondo. Talvez venha, como dizia T. S. Eliot, com um suspiro.
Newton, no fim das contas, não deixou um aviso para nos assustar. Deixou um lembrete, silencioso e incômodo, de que tudo — absolutamente tudo — tem seu peso. E que tudo o que sobe, um dia, inevitavelmente cai. Como a maçã que um dia o inspirou, pendendo, hesitando no galho, até não resistir mais ao chamado invisível da gravidade.
O relógio não para. E nós, bom… nós seguimos em frente, tropeçando em nossas certezas, fazendo planos para um futuro que talvez, só talvez, não nos pertença tanto quanto gostaríamos de acreditar.