Por muito tempo ouvi de minha mãe que eu deveria ser forte. Ainda pequena, recebia como resposta aos meus lamentos um sonoro “erga a cabeça e não faça drama”. Não que faltasse afeto. Mas sobrava firmeza na condução de uma criação mais focada em me preparar para o mundo do que em me proteger dele. Enquanto eu via o choro como instrumento de barganha para meus desejos, ela me mostrava que nem sempre a vida me ofertaria colo e lenços de papel. O exemplo extrapolava o discurso. Cresci observando a forma como ela aguentava trancos e barrancos com altivez, enfrentando com coragem situações para mim assustadoras. Era confortável ter uma heroína dentro de casa. Mas também um problema, à medida que passei a esperar dela nada menos que a perfeição.
Quando somos crianças, temos licença para eleger a fantasia como fio condutor para nossos anseios. Somos autorizados (e estimulados) a suavizar a realidade com subterfúgios lúdicos. Natural que seja assim… e compreensível que enxerguemos como heróis quem viabiliza nosso dia-a-dia com cuidado, nos blindando das ameaças externas. A armadilha acontece quando crescemos e não nos desvencilhamos da ideia infantil de que nossos pais são infalíveis. Paralelamente à admiração, passamos a projetar sobre eles nossas vulnerabilidades. Exigimos que sejam abrigo para nossas fraquezas. E geralmente são. Mas, ainda assim, torcemos o nariz para o primeiro sinal de cansaço. Criticamos quando dizem “não” ou priorizam a si mesmos. Ignoramos as feridas que possuem e precisam resolver antes das nossas. Estranhamos quando falham na missão de serem esteio para nosso caos, porque permanecemos apegados à concepção de que estarão sempre aptos a contemplar nossas expectativas.
Imagino que não deva ser fácil arcar com tamanha demanda, por mais que haja amor e disposição. Sustentar sobre os ombros o peso de ser invencível não é tarefa simples. Sobretudo quando todos os padrões e convenções sociais alimentam esse ciclo de esforço seguido de culpa fazendo o muito não parecer suficiente. Estipula-se que pais são muralhas que não racham. Não percebemos como é cruel delegarmos a alguém de carne e osso a incumbência de honrar o pedestal em que foi colocado. Desde a primeira febre da infância, passando pelas crises existenciais da adolescência e perrengues da vida adulta, carregam as dores do filho em acúmulo com a própria. Em uma lógica distorcida, achamos comum que deem conta do recado (obrigação) e condenamos quando titubeiam (vacilo).
Ainda não sou mãe. Dizem que quando deixamos o papel de filho para assumir o de provedor, ao entendermos melhor o “lado de lá”, amenizamos nosso general julgador que cobra demais de quem também precisa de apoio. É como se flexibilizássemos um pouco as rédeas dessa relação tão nobre mas tantas vezes impiedosa. Nos esquecemos que por baixo da capa dos nossos heróis, existem fragilidades que precisam de curativo — muitas, inclusive, deixadas pelos pais deles que, igualmente humanos, não foram impecáveis na complexa lida que rege a formação de um filho. No afã de que quem nos deu a vida seja eterno reduto para nossos medos e alicerce para nossos percalços, desconsideramos as angústias e inseguranças que eventualmente os travam. Acredito em heróis. Mas acredito, acima de tudo, que um olhar complacente para as derrapadas daqueles que cobramos extrema retidão, pode ser mais importante que qualquer super poder.