Como Robbie Williams, eu já quis apenas sentir amor no lar em que vivia. Esse é o refrão de “Feel” (2002), um dos muitos grandes sucessos de Williams, que como “Better Man”, dilaceram mesmo aqueles que nunca passaram por nada do que ele canta com toda a propriedade. “Better Man”, do disco “Sing When You’re Winning” (“cante quando estiver ganhando”, em tradução literal), lançado num jurássico ano 2000, cai feito uma luva para definir alguém que, como o personagem central da cinebiografia de Michael Gracey, segue juntando seus cacos, outro de seus versos, expostos em “Come Undone” (2002).
O cinquentenário Williams continua a se parecer com um adolescente, rebelde e doce em igual medida, ou, em suas palavras, um macaco, em busca da evolução que, também segundo ele, talvez não chegue nunca. Carregadas da poesia mais visceral de um artista munido do atributo mais importante em alguém que ousa exercer este ofício — a coragem —, as lindas canções de Williams costuram o relato de Gracey, diretor também do mágico “O Rei do Show” (2017), que relembra a acidentada trajetória de um garoto da classe operária de Stoke-on-Trent, no centro-leste do Reino Unido, até o Take That, uma boy band carismática do princípio da década de 1990, e daí para o estrelato, em 1997, depois de dois anos preparando o início de sua fase solo.
Williams permanece todos os 135 minutos de “Better Man” sob sua configuração simiesca, sem jamais tornar-se quem seus milhões de fãs pensam que ele é. Gracey recorre à captura de movimentos para dar vida ao cantor, encarnado por Jonno Davies, e entre uma e outra cena o próprio Williams narra os bastidores o que se vê, oferecendo uma bem-vinda contextualização em meio a uma pletora de acontecimentos. Já na abertura, o garoto Robbie surge padecendo de uma estranha rivalidade com o pai, Peter, de Steve Pemberton, que termina abandonando a família para embarcar na empreitada irracional em busca do sonho de virar cantor.
O trauma aparece em “Feel” e ajuda a elucidar pontos ainda mais obscuros da intimidade de um dos maiores performers masculinos do showbiz dos últimos trinta anos, a exemplo de brigas com os outros quatro integrantes do Take That, abuso de álcool e drogas e o aborto da namorada, Nicole Appleton, que veio a se casar com Liam Gallagher, um de seus desafetos mais inveterados. O filme de Gracey consolida uma tendência iniciada sete anos antes, com “Bohemian Rhapsody” (2018), dirigido por Bryan Singer e Dexter Fletcher, que reconta a vida e a jornada artística de Freddie Mercury (1946-1991) e do Queen, e segue com “Rocketman” (2019), de Fletcher, sobre sir Elton John; “I Wanna Dance with Somebody: A História de Whitney Houston” (2022), a cinebiografia da Rainha da Balada Whitney Elizabeth Houston (1963-2012) levada à tela por Kasi Lemmons, e “Bob Marley: One Love” (2024), acerca do jamaicano Robert Nesta Marley (1945-1981) a cargo de Reinaldo Marcus Green.
A ideia de retratar Williams como um adorável primata, em sua natureza a um só tempo tão próxima e tão distante do homo sapiens sapiens, revoluciona o gênero e mostra-se especialmente acertada em falando-se de um artista que faz questão de continuar vivendo a sua maneira, admitindo sua parcela de fracasso, suportando os golpes e, ao final, rindo-se de tudo isso. O encerramento, com Williams interpretando “My Way” (1967), o hino ao verdadeiro sentido do que é ser homem eternizado na voz de Frank Sinatra (1915-1998), é um maravilhoso clichê, que consegue iluminar um passado glorioso de astros genuínos, que jamais fariam concessões a TikTok et caterva a fim de permanecer em cartaz — postura que também é a de Robbie Williams. Por essas e outras é que mantenho minha admiração por gente como ele.
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