À medida que a inteligência artificial redefine práticas em praticamente todos os setores criativos, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas se viu obrigada a reagir. Em abril de 2025, anunciou diretrizes atualizadas sobre o uso de IA nos filmes elegíveis ao Oscar, um gesto que, embora esperado, acentuou os dilemas éticos e artísticos que agora atravessam Hollywood.
De maneira clara, a Academia estabeleceu que a utilização de inteligência artificial em uma produção não a torna inelegível ao Oscar. A inovação, no entanto, não eclipsa a responsabilidade autoral: a criação humana permanece o elemento central para avaliação. Se, por um lado, o uso da IA não garante vantagens competitivas, tampouco impõe desvantagens automáticas; por outro, a forma como a tecnologia é incorporada, e percebida, pode afetar a leitura crítica dos votantes.
Como tentativa de conferir mais transparência ao processo, foi introduzido um formulário para que os produtores informem a extensão e natureza do uso de IA. O quanto da utilização da IA e participação humana no processo de criação tiver presente no filme vai interferir na nota dos votantes.
O Oscar de 2025 não se limitou a normatizar a IA: ele expôs, de forma concreta, os limites e possibilidades dessa nova fronteira. Três produções, em especial, catalisaram discussões intensas:
“O Brutalista” apostou no software Respeecher para adaptar os sotaques húngaros de Adrien Brody e Felicity Jones, além de recorrer à IA generativa para a concepção de designs arquitetônicos na fase final da obra. A intervenção, embora tecnicamente admirável, suscitou questionamentos sobre até que ponto a performance humana permanece genuína.
“Emilia Pérez” encontrou na IA uma aliada para transgredir barreiras vocais: a voz da atriz Karla Sofía Gascón foi fundida à da cantora Camille, ampliando seu alcance nas sequências musicais. Aqui, a discussão não se restringiu à autenticidade interpretativa, mas tocou também em temas identitários e de representação artística.
“Um Completo Desconhecido”, por sua vez, optou pela substituição facial digital de dublês por imagens de Timothée Chalamet em cenas de motocicleta. Embora técnicas similares já fossem utilizadas em efeitos visuais, o grau de realismo alcançado trouxe à tona o debate sobre o limite ético da manipulação de presença e performance.
Cada um desses casos, à sua maneira, provocou uma reflexão inevitável: qual é o ponto em que a assistência tecnológica deixa de complementar e começa a substituir a criação humana?
Se a IA conquistou entusiasmo entre técnicos e diretores em busca de eficiência e inovação estética, atores e roteiristas reagiram com cautela. A memória das greves que paralisaram Hollywood em 2023 ainda está fresca: nelas, a proteção contra o uso desmedido de IA foi uma das principais bandeiras. Desde então, cláusulas específicas foram incorporadas a contratos, tentando preservar tanto o direito de imagem quanto a autoria intelectual.
A Academia, ciente da delicadeza do tema, avançou também em outra frente: a partir de agora, é obrigatório que os membros assistam a todos os filmes indicados em cada categoria antes de votar. A medida visa combater avaliações superficiais e assegurar julgamentos mais criteriosos, especialmente em um cenário onde a intervenção tecnológica pode alterar sutilmente a percepção sobre uma performance ou produção.
O Oscar de 2025 não apenas adaptou suas regras; sinalizou uma virada de mentalidade. Aceitar a inteligência artificial como ferramenta legítima implica reconhecer que ela já se tornou parte indissociável da linguagem audiovisual contemporânea. No entanto, ao reiterar a primazia da autoria humana, a Academia delineia um limite essencial: a inovação tecnológica não pode obliterar a integridade criativa.
Em meio a tensões e possibilidades, o futuro da indústria parece encaminhar-se para um novo tipo de pacto: um em que a máquina amplifica o talento, mas jamais o substitui. E, talvez, seja justamente nesta interseção entre engenho humano e potência algorítmica que o cinema reencontre, paradoxalmente, sua essência mais autêntica.