Machado de Assis (1839–1908), considerado por muitos o maior escritor que o Brasil já teve, sempre carregou a fama de homem refinado. A ironia elegante, a sutileza nas entrelinhas, a dissecação fria dos costumes — tudo nele parecia feito sob medida para o glamour dos salões cariocas do século 19. Só parecia. Na vida real, longe das caricaturas e dos retratos oficiais, Machado tinha gostos bem mais simples. Sua bebida preferida? Nada de vinhos franceses nem cervejas artesanais. Era o café — puro, quente e brasileiro até a última gota.
Criado entre as ruas de terra batida do Rio de Janeiro, Machado fez do café uma extensão de si. Não era apenas um hábito, como tantos têm. Era quase um ritual. Em carta a José Veríssimo, datada de 10 de abril de 1896, o autor confessa: “Não troco meu café preto por nenhuma taça de Borgonha”. A frase, curta e certeira, resume seu ritual. Entre crônicas para a “Gazeta de Notícias”, ele se refugiava no Café do “Globo”, xícara à mão, observando o tropel urbano como quem decifra um conto antes de escrevê-lo.
Naqueles tempos, o café era símbolo de muitas coisas. Era barato. Era forte. Era o Brasil em forma líquida. E enquanto a elite flertava com as modas de Paris, Machado preferia sorver a alma da cidade na borda de uma xícara simples — um pequeno ato de resistência, talvez.
José Veríssimo, amigo de confiança e crítico respeitado, contou certa vez que Machado bebia seu café sem açúcar, direto ao ponto, do jeito que poucos suportavam na época. Quem o conhecia sabia: essa escolha tinha tudo a ver com sua personalidade. Nada de adereços, nada de enfeites. Machado gostava da vida como gostava do café — intensa, amarga às vezes, mas sempre verdadeira.
Dizem que, nos dias mais inspirados, o aroma do café invadia seu escritório e ficava no ar até tarde da noite. Era como se cada gota derramada embalasse palavras que seriam lidas séculos depois, nas páginas de “Dom Casmurro” ou “Memórias Póstumas de Brás Cubas”.
No fim das contas, talvez haja algo de profundamente simbólico nessa preferência. No gesto silencioso de erguer uma xícara de café, Machado de Assis encontrava o que nenhum banquete poderia oferecer: a simplicidade que atravessa o tempo, discreta e indestrutível, como sua própria obra.