Confesso que nunca gostei da Mulher Maravilha. Nem nos gibis, nem no seriado da TV que rolava na década de 1970. Tenho 51 anos e 10 pilas no bolso. Se tudo correr bem, vão me esquecer, ninguém vai me convidar, nem vai me levar ao cinema, então, escaparei de assistir ao filme que, dizem, está fazendo um baita sucesso. Sei que isso é pessoal: simplesmente, acho a personagem chata à beça. Sou chato também, tudo bem, vocês têm razão. Quando não está investida de poderes sobre-humanos, Diana Prince, a Mulher Maravilha, é fina, recatada, porém, nem de longe é uma mulher do lar. De origem caucasiana, a heroína possui braceletes reluzentes à prova de balas, madeixas negras aneladas e um par de tetas volumosas, bem ao estilo e preferência dos marmanjos norte-americanos. Fica nítido que a personagem fora criada por um homem. Aliás, será que Deus é homem ou mulher?
Desconfio que, por pura pirraça, fui intimidado, intimado pelo meu editor na Revista Bula a tomar um banho, cortar as unhas, fazer a mala e viajar para a Califórnia, a fim de entrevistar a Mulher Maravilha. Uma vez que não possuo cotas na Revista, não sou filho de ricos, não sou deputado federal, não sou dono de frigoríficos, não faço esquemas e ando bastante ressabiado por causa da galopante onda de desemprego que assola o Brasil, aceitei a missão, imbuído de pavor e da maior má vontade possível. Tenho medo de avião, de homens fardados e de me cagar todo. Sim, eu sou esquisito.
Lembrei do velho conselho da Marta Suplicy. Lembram da Marta Suplicy? “Relaxa e goza”. Então, meti o amiguinho entre os dedos e botei na cabeça que entrevistar a Mulher Maravilha não seria tão ruim assim. Com meus três anos e meio de inglês fluente nas Escolas Fisk, uma verdadeira moleza. Duro mesmo era voar numa empresa aérea em recuperação judicial, na classe econômica, cruzando pelos ares a Floresta Amazônica e o Oceano Atlântico, até atingir Los Angeles. Passei a viagem inteira em regime de amendoim torrado, barras de cereais e água. Praticamente, vivenciando um estado de inanição. Sofri insônia e pânico. Pensei que fosse morrer. A aeromoça me deu um fora. Vomitei. O cara da poltrona da janela tentou, sem anuência, adular o meu pênis durante a madrugada. Enfim, a viagem foi uma verdadeira odisseia até eu ser recebido pela Mulher Maravilha, na sua bela caverna em Beverly Hills. Tiramos o cavalo e as crianças da sala. Começamos a conversa.
Revista Bula — Antes de mais nada, preciso confessar que não sou seu fã. Prefiro o Doutor Smith, da série “Perdidos no Espaço”. Me amarro em covardia, sabe como é?
Diana Prince — Mulher sofre… (risos)
Revista Bula — Qual Mulher Maravilha é mais bonita: Lynda Carter ou Gal Gadot?
Diana Prince — Qual das duas você prefere?
Revista Bula — Para ser sincero, nenhuma delas faz o meu estilo.
Diana Prince — Você é gay, amigo? (risos) Não minta, Mister Herbert! Vou amarrá-lo na poltrona com o meu laço mágico da verdade. Confesse.
Revista Bula — Não faça isso, senão eu me apaixono. (ri feito uma besta) Aliás, que personalidades do cenário político atual você laçaria com sua corda dourada?
Diana Prince — Humm… É difícil escolher. Tem tanta gente mentindo. Acho que o Putin, o Kim Jong-un, o Maduro, o Donald Trump, o seu Presidente Temer… (risos) Penso que muitos congressistas brasileiros mereçam o laço mágico da verdade. Muitos deles, atados pelas patas, que nem porcos. Outros poderiam se enforcar com ele, sem nenhuma restrição, objeção ou remorso da minha parte. Para o bem do Brasil, eu emprestaria, de bom grado, o meu laço dourado para a Polícia Federal brasileira e a Procuradoria Geral da República.
Revista Bula — Você já deu carona para algum congressista norte-americano no seu jatinho invisível?
Diana Prince — Fala sério. (risos) Não. Isso não. Isso é prática de empresário tupiniquim. Sou apenas uma mulher (sei que minhas colegas feministas vão detestar ler isso), uma heroína sem grande prestígio, saída das histórias em quadrinhos num mundo dominado pelos homens e pela estupidez.
Revista Bula — Você brincou, logo no início da entrevista, ao dizer que “mulher sofre”. Mulher sofre mesmo?
Diana Prince — Pergunte sua avó, sua mãe, sua irmã, sua filha. Faça essa pergunta à primeira mulher desconhecida que cruzar com você depois que sairmos daqui, principalmente se ela for velha, gorda, negra, flácida, latina ou asiática.
Revista Bula — Já melhorou muito, não?
Diana Prince — Melhorou pra você, que é homem. Tente ficar bêbada numa balada para ver o que é bom pra tosse. Muitos caras vão querer te devorar, baby. Quer mais desvantagens? Historicamente, a média salarial das mulheres continua bem menor que a dos homens. Nem para exercer a própria maternidade nós temos autonomia. Quem escolhe o tipo de parto não é a mulher, mas, o médico, o seguro de saúde, a OMS, a “Revista Caras”. Legal, né?
Revista Bula — Por que a violência contra as mulheres não diminui?
Diana Prince — Isso fica bem patente nos países mais pobres do planeta. Primeiramente, existe um fator diferencial, que é meramente físico. É uma questão de força bruta. Vá tentar subjugar, currar outro homem ou uma lutadora de jiu-jitsu pra você ver o que é bom pra tosse. (risos) Depois, entram as questões mais arraigadas, como a pobreza extrema, a falta de educação e cultura, a injustiça social, coisas assim. A impunidade, por sinal, é uma praga que acaba com tudo. Veja só o Brasil. Tanta gente rica e poderosa fodendo o país, mesmo assim, permanece solta, carregando iate pra cima e pra baixo, negociando acordos generosos de delação premiada, cheirando coca, bancando porres com vinhos caríssimos e zombando da cara do povo. O que estão fazendo com o seu país é um verdadeiro estupro, meu chapa, aliás, um estupro coletivo. E de estupro a gente manja, desde criancinha, desde as cabanas escabrosas dos recônditos mais escondidos até as coberturas de luxo das megalópoles. Atrocidade não tem idade, nem cidade.
Revista Bula — A taxa de natalidade no Brasil caiu bastante nas últimas décadas, ou seja, hoje em dia, é frequente encontrarmos casais com dois, um ou nenhum filho. Os casais estão controlando melhor a fertilidade. Isso parece muito bom, não?
Diana Prince — Bom pra você, que pertence à elite. Mulheres pobres não têm acesso aos instrumentos de controle da natalidade. Aliás, muitas começam a transar aos 12 (geralmente, abusadas, atacadas por parentes) e a parir aos 13. A tendência é que, na meia idade, sejam abandonadas pelos parceiros e tenham que se virar sozinhas para criar proles numerosas.
Revista Bula — E os Movimentos Feministas?
Diana Prince — O que que têm eles?
Revista Bula — Há décadas, você é considerada uma ícone do Movimento Feminista ao redor do mundo. Tem cadeira cativa na famosa sala da Liga da Justiça dos Super-Heróis e…
Diana Prince — Escuta só uma coisa, brazuca: isso tudo é bobagem. Essa coisa de ícone, de super-heroína, de justiça, tudo isso é balela. Na real, as mulheres só levam vantagem nos roteiros do cinema. Heroína de verdade é aquela mulher que acorda de madrugada pra fazer comida pros filhos (eles quase sempre são muitos, os mais velhos tomando conta dos mais novos) e, depois, pega um trem pro trabalho, geralmente, um empreguinho mequetrefe no qual ela vai ser agraciada no final do mês com um salário mínimo mutilado por descontos. Então, essa heroína em carne-e-osso rala dez horas por dia e pega de volta pra casa o mesmo trem lotado, sendo esfregada por tarados que ejaculam nas suas coxas. Daí, chega em casa exaurida, fedendo a esperma, chateada com Deus e ainda arruma tempo pra cozinhar qualquer coisa para os filhos comerem. Enquanto lava as louças da pia, é certo que receberá a mesma cantada de sempre, vinda de um sujeito muitas vezes grosseiro, vulgar e chapado de pinga. Se não meter, apanha. Por fim, trepa com ele, um homem que um dia ela amou, mas, que se transformou num estranho, um algoz debaixo do mesmo teto, um sujeito pelo qual já não sente mais afeto, quem dirá, atração sexual. Quer saber de uma coisa? Na próxima encarnação quero nascer homem. (risos)
Revista Bula — Para uma mulher dotada de superpoderes, você parece desencantada, desiludida, demasiadamente humana. Quando terminarmos isso, vamos tomar um Cuspe?
Diana Prince — É permitido assédio sexual durante a entrevista? (risos) Tá vendo? Você me cantou. Vida de mulher é uma droga, parceiro.
Revista Bula — Alguma mensagem especial para os seus fãs no Brasil?
Diana Prince — Não é fácil ser brasileiro. Brasileira, então, credo! Eu espero que todos sejam felizes para sempre, mas, como já disse o poeta, sempre não é todo dia. Não contem comigo pra isso. Eu sou apenas uma personagem da ficção. A vida, quer dizer, assim cantou o saudoso compositor brasileiro Belchior, a vida é muito pior. Fiquem com Deus. Aproveitando o ensejo, “Out, Temer!”.
Revista Bula — Receio que isso não será publicado, Diana.
Diana Prince — Não importa. Me paga um Cuspe agora?