O filme que fez Tom Hanks ganhar 23 kg e depois perder 25 chegou à Netflix Divulgação / Twentieth Century Fox

O filme que fez Tom Hanks ganhar 23 kg e depois perder 25 chegou à Netflix

Robert Zemeckis notabilizou-se por enfrentar o tempo, e vencê-lo de uma maneira bem especial. Ao longo da carreira, Zemeckis foi cristalizando junto ao público e à própria indústria a vontade de empreender algo grandioso, sempre tendo por fixação o passar dos anos. Decerto foi com “De Volta para o Futuro” (1985) que o diretor tornou evidente sua intenção de desafiar a cadência dita natural dos acontecimentos e dos registros mais prosaicos da vida ordinária de gente comum, uma marca de seu trabalho, e com “Náufrago” faz questão de revisitar a imagem do tempo que passa, implacável, sob outra perspectiva. 

Chuck Noland, um engenheiro de sistemas que trabalha para a FedEx, parece ter a vida perfeita — até ir parar numa ilha deserta no meio do Oceano Pacífico. Aqui, Zemeckis não desdobra nenhuma fantasia confusa e saborosa a exemplo do que apresenta em “Bem-Vindos a Marwen” (2018), sobre um homem que, depois de barbaramente espancado, constrói a maquete da cidade onde mora, povoando-a com bonecos que ganham vida, numa espécie de renascimento. Esta também é uma metáfora sobre autodescoberta e mudanças radicais ao cabo de um trauma violento, mas há muito menos espaço para respiros. “Náufrago” é um filme que derruba.

Quanto mais se gozam as falsas delícias do mundo, mais se tem claro que nenhuma delas satisfaz a vastidão das necessidades e das humanas carências, pelo contrário: àquela sensação primeira, tão aprazível, soma-se o fumo de alguma coisa que queima na pira de destruição em que arde a alma do homem desde o princípio dos tempos, alimentada até o Juízo Final, e mesmo no além-mundo choro e ranger de dentes serão uma constante, prova de que até depois da morte ninguém se livra do quis e fez quando vivo, como num quadro renascentista. Há quem creia que o homem já traz na carne seu destino, pelo qual deverá responder quando chegar a hora, sendo ou não merecedor da redenção mediante a nova vida em que irá desfrutar dos prazeres que lhe foram negados em sua primeira vinda ao mundo. 

O roteiro de William Broyles Jr. tem bastante do niilismo schopenhaueriano que uma história como essa pode encerrar, mas guarda lugar também para a redentora esperança, que ora toma corpo num relógio velho, ora assume a figura de uma bola de vôlei a que Noland dá o nome de Wilson. Esses seres inanimados chegam a emocionar, mas só porque por trás está Tom Hanks, e não há nada que Tom Hanks não seja capaz de fazer — inclusive perder 25 quilos do dia para a noite. Embarcamos com Hanks, Wilson e Zemeckis nessa jornada, ansiando que tudo acabe bem. Como se vê no desfecho, a vida não espera por Chuck Noland, e Chuck Noland somos nós.

Filme: Náufrago
Diretor: Robert Zemeckis 
Ano: 2000
Gênero: Aventura/Drama/Romance/Suspense
Avaliação: 10/10 1 1
★★★★★★★★★★
Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.