A patrulha ideológica Nutella é o mal do século. Se o mal do século 19 foi a solidão, o mal do século 20 foi a incomunicabilidade (ou o Menudo? Estou em dúvida!), o mal do século 21 é o sujeito entrar no seu perfil das redes sociais te cobrando posicionamento, engajamento, sentimentos e outros (ju) mentos assim. Parece que ninguém mais tem o direito de ser cínico, iconoclasta ou, simplesmente, alienado. Aquele monte de cabeças cortadas na Revolução Francesa serviu para o que, afinal? A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão serviu para o que, afinal? Se não foi um modo de dizer: “ok, ok, os ingleses fizeram uma revolução melhor, sem violência, mas tudo bem, concordamos com isso se for para encerrar esse assunto”, sinceramente, não valeu a pena!
Os patrulheiros ideológicos das antigas pelo menos tinham a hombridade de bater no peito gritando “ou concorda comigo ou te arrebento” e mandar para a Sibéria os hereges (epa, acho que misturei duas coisas…), enquanto os chatinhos patrulheirinhos moderninhos, do alto de seus nomes indígenas, ficam torrando nossas paciências com textões que nos mandam estudar história; para assim estarmos mais preparados para concordar com eles.
A moda atual da patrulha ideológica é tomar o “Fora Temer” como uma máxima universal, que deve ser encampada pelo Papa, pelo Dalai Lama e por todos os outros seres vertebrados que habitam o planeta. Não me entendam mal, eu concordo com ela. Na verdade, sou um veterano do “Fora Temer”. Digo “Fora Temer” desde que ele foi eleito em 2010, segui dizendo durante a Copa entre um gol e outro da Alemanha e me esgoelei gritando “Fora Temer” nas eleições de 2014. Agora que virou moda, não digo mais. Sou um “Fora Temer” raiz, não um “Fora Temer” Nutella. Sou tipo aquele hipster que adora uma banda obscura qualquer e a abandona assim que a tal banda fica famosa. Gritem “Fora Temer” vocês. No máximo vou concordar discretamente com um elegante e sutil balanço de cabeça.
Embora seja partidário do “Fora Temer”, algo nessa tendência pop me incomoda. Trata-se das comparações de Temer com vampiros em geral e com Drácula em particular. Elas sempre partem do princípio de que o presidente é decrepito, antigo, cheirando à naftalina, sendo incapaz de seduzir quem quer que seja, muito menos a jovem dona Marcela, colocando em dúvida as reais motivações de nossa segunda primeira dama mais bela (Maria Teresa Goulart ganha) ao aceitar o pedido de casamento.
Qual o problema? Drácula não é um vampiro malvado, um morto-vivo inescrupuloso que assombra as pessoas de bem? Se o objetivo da comparação é insultar Temer, então está certa, sim! Ou não está? Depende. Se o lançador do insulto for um especialista em folclore europeu, literatura romântica inglesa e cinema expressionista alemão, está correto. Se for simplesmente alguém querendo usar um clichê pretensamente autoexplicativo, então está muito errado.
O fato é que os vampiros descritos nas lendas europeias eram mesmo seres repugnantes, deformados e cadavéricos. Verdadeiras pragas que atraiam ratos e doenças para as cidades. Foi esse tipo de vampiro monstruoso que apareceu nas grandes telas do cinema na primeira adaptação cinematográfica do romance “Drácula” (1897), do irlandês Bram Stoker, o filme alemão mudo “Nosferatu”, de 1922, dirigido por F. W. Murnau. Nessa obra clássica do expressionismo alemão a criatura foi interpretada por Max Schreck, que, segundo a lenda, era um vampiro de verdade. Em 2000 foi lançado um filme dramatizando essa fofoca, “Sombra do Vampiro”, com o ator Willem Dafoe interpretando o vampiro Max Schreck que interpreta um ator que interpreta um vampiro. Seja como for, embora faça sucesso entre cinéfilos, “Nosferatu” não foi exatamente um grande sucesso de bilheteria. Sendo uma adaptação pirata do romance “Drácula”. A família de Bram Stoker conseguiu retirá-lo de cartaz durante décadas.
O primeiro interprete de Drácula a entrar no imaginário coletivo foi o elegante ator húngaro Béla Lugosi, na versão hollywoodiana de 1931, dirigida por Tod Browning. Sempre impecavelmente trajado em seu fraque e com cabelos pretíssimos cheios de gel, Lugosi talvez não fosse um galã típico, mas está longe de ser repugnante. O roteiro do filme pede um Drácula sedutor e ele convence no papel de Casanova das trevas.
O legitimo sucessor de Lugosi foi o ator britânico Christopher Lee, em “Drácula, o Vampiro da Noite”, dirigido por Terence Fisher, lançado pelo estúdio inglês Hammer, em 1958. Aqui o conde Drácula torna-se realmente aristocrático, com a dignidade natural, porte majestoso e fleuma de Lee. Seus olhos penetrantes, muito explorados pelos diretores da longa série de filmes de vampiro que protagonizou, enlouquecia as mulheres. Suas mordidas no pescoço eram tratadas como sutis cenas de sexo, sempre terminando com o êxtase das atrizes. Mesmo quando o roteiro pedia que Lee mordesse um homem, essa imagem jamais era mostrada, apenas sugerida. Seu Drácula era espada.
Depois dos anos de ouro de Lugosi e Lee, os personagens vampirescos tornaram-se figurinhas fáceis nos cinemas. Houve muitas versões, mas, atenção, nenhuma delas, pelo menos entre as que obteve visibilidade, optou por um vampiro monstruoso. O vampiro sedutor, contrariando o folclore, tornou-se a regra. Os exemplos são os mais variados: vai do vampiro cool de David Bowie em “Fome de Viver” (1983) até o vampiro melancólico de Julian Sands em “Vampiro: Paixão Imortal” (1992), passando pelo Drácula parrudo de Dominic Purcell em “Blade — Trinity” (2004). Sem esquecer dos vampiros fadinhas que brilham ao sol da “saga” Crepúsculo, responsáveis por infinitas crises de paixão adolescentes por todo o mundo. Mesmo o Drácula decrépito de Gary Oldman rejuvenesceu para seduzir Winona Ryder em “Drácula de Bram Stoker” (1994), dirigido pelo poderoso chefão Francis Ford Coppola. Mas o melhor argumento são os vampiros levemente afetados de “Entrevista com Vampiro” (1994), interpretados pelo trio de galãs Brad Pitt, Tom Cruise e Antonio Banderas. Aqui tem vampiros para todos os gostos, loiro WASP, moreno sorridente (embora esteja loiro no filme) e amante latino.
Dito isso, para mim fica claro que quem compara Temer com Drácula ou está fazendo uma citação erudita obscura ou simplesmente se enganou de xingamento. Se Temer for comparado com Lugosi, Lee, Bowie, Oldman, Pitt, Cruise, Banderas, ou qualquer um dos outros do rol vampiresco pop, quem pode negar seu super-poder de sedução? Quem poderá colocar em dúvida a paixão de Marcela (considerando a idade da moça talvez os vampiros que brilham ao sol sejam os mais eficazes)?
Das duas uma: ou muda de xingamento ou vai estudar história.