Comédia romântica que acaba de chegar à Netflix vai te convencer a ficar em casa neste fim de semana Divulgação / Focus Features

Comédia romântica que acaba de chegar à Netflix vai te convencer a ficar em casa neste fim de semana

O passar do tempo não é garantia de nada. Sócrates (470 a.C. — 399 a.C) foi quem primeiro cantou a bola da inutilidade da velhice ao elaborar o pensamento que reza que quanto mais os anos se sobrepõem uns aos outros, mais o homem se dá conta de sua abissal ignorância (o homem sensato ao menos), sem mais dispor de toda aquela gordura para queimar, sem jamais conseguir reacender a chama fria da curiosidade frente ao desconhecido, ao novo, à vida mesma, enfim, e aprimorar seu espírito. 

Oxalá minha idade vetusta se assemelhe à selvagem adolescência ou, ainda melhor, a uma infância tardia, quando poderei outra vez dedicar-me às traquinagens e aos prazeres da meninice sem ter de dar satisfação alguma a quem quer que seja. Assim vivem Carol, Diane, Sharon e Vivian, o quarteto de setentonas (e um pouco mais) de “Do Jeito que Elas Querem: O Próximo Capítulo”, uma comédia romântica para quem já usufruiu do que a vida tem de melhor e acha que tem direito a muito mais. Bill Holderman chega a esse resultado aludindo a “Do Jeito que Elas Querem” (2018), no qual apresenta as personagens, membros de um clube de leitura que, vá lá, estuda “Cinquenta Tons de Cinza” (2011), o romance softporn de E. L. James, mas também infundindo em seu elenco de estrelas uma inconfessada vontade de superar o primeiro longa. E o cenário ajuda bastante.

Em algumas circunstâncias, o passado é como um monstro que pensamos encerrar numa gaiola de ouro, nutrindo-o e o acalentando, até que ele, afinal, revela sua verdadeira força. Os lances verdadeiramente nobres da vida parecem exalar uma fragrância única, inconfundível, que se vai misturando aos ambientes como música, deixando no ar um rastro de mistério, de beleza e de eternidade. Resta em algum lugar, escondido no coração dos homens, um baú de tesouros e de ossos do qual se tiram as lembranças de momentos bons e horas pálidas que, num prazo que só o tempo é capaz de definir, mudam-se também elas em recordações felizes. Jane Fonda, claro, dá vida à mulher biônica do grupo, Vivian, ainda no mercado de trabalho, ativa sexualmente (ao menos ela o diz), e saudável o bastante para aproveitar os luxos que o dinheiro lhe proporciona. 

Quando o filme começa, ela e as outras três estão em suas respectivas casas, tentando manter a sanidade ao longo da pandemia de covid-19. Ela não tem visto Arthur, seu namorado perfeito, ou NP (ou PA, como dizem as moças folgazãs do Brasil), mas está no lucro, uma vez que Sharon não tem ninguém, Carol cuida do marido que convalesce de um infarto e Diane amarga uma solidão a dois quase inexpugnável, presa num caso difícil. Agora, elas, pelo que subentende-se do prólogo, leem “O Alquimista” (1988), de Paulo Coelho — eu disse que apuro estético não é o forte dessa turma… — e preparam uma viagem à Itália, onde pretendem exorcizar uma parte dos fantasmas que vieram à luz com o confinamento forçado e pôr a conversa em dia. Mas nem tudo sai exatamente como o esperado.

Fonda continua um vulcão em cena (e um bocado inconveniente fora dela), mas há espaço de sobra para Mary Steenburgen, Candice Bergen e, salve ela!, Diane Keaton, sempre charmosa e elegante, mesmo ostentando longas madeixas grisalhas. O filme quase passa no teste de Bechdel: dispõe de duas ou mais personagens femininas com seus próprios nomes e que conversam entre si, mas escorrega no último quesito. Ainda que seu leque de interesses abra-se para muito além disso, o assunto das conversas é, quase sempre, sobre homens, seus homens.

No entanto, Holderman e a corroteirista Erin Simms torcem a história a fim de que eles apareçam, por óbvio, mas somente para servir de escada às tiradas entre fesceninas e reconfortantes de cada uma acerca dos progressos da mulher no último meio século ou dos avanços da medicina voltada ao belo sexo, que possibilitaram-nos. Em sendo assim, apreendamos “Do Jeito que Elas Querem: O Próximo Capítulo” como um filme de mulheres e deixemos de lado os companheiros de Carol, Diane, Sharon e Vivian e também Giancarlo Giannini, a quem devo o nome, esquisitíssimo aqui, por sinal. Bendita seja aquela serpente!

Filme: Do Jeito que Elas Querem: O Próximo Capítulo
Diretor: Bill Holderman
Ano: 2023
Gênero: Comédia/Romance
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★
Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.