No dia 21 de abril de 2025, o mundo se despediu de Jorge Mario Bergoglio, o Papa Francisco — o primeiro pontífice jesuíta, o primeiro vindo da América Latina e, para muitos, o último grande humanista a ocupar o trono de Pedro. Mais do que um líder religioso, foi uma presença ética global: um homem que estendeu os braços da Igreja para além de seus próprios limites, em direção aos marginalizados, aos céticos, aos desiludidos. Sua morte encerra um ciclo histórico e espiritual marcado pela coragem, pela escuta e por um inegociável compromisso com a dignidade humana.
Ao longo da vida, Francisco cultivou uma relação íntima com a leitura — não como passatempo, mas como disciplina de alma. Via nos livros um território de perguntas fundas, onde a verdade não se impõe, mas se oferece. Costumava dizer que a literatura ensina a sofrer, a esperar, a discernir — que nos obriga a olhar para dentro, mas também a sair de nós. Era, antes de tudo, um leitor comprometido: daqueles que sublinham páginas, dialogam com autores, carregam ideias por anos no bolso do coração.
Nesta homenagem, a Revista Bula recupera uma seleção de obras que marcaram sua trajetória pessoal e espiritual. Não se trata apenas de preferências estéticas, mas de escolhas reveladoras — janelas para a interioridade de um homem que desafiou o mundo com mansidão. Num tempo em que tudo parece urgente e raso, vale mergulhar nas profundezas que ele tanto valorizou. Em cada título ressoa, talvez, o que ainda não soubemos escutar.

Uma biblioteca infinita. Um espelho que multiplica realidades. Um mapa do mundo do tamanho do próprio mundo. Neste livro, o autor argentino propõe uma literatura que não apenas representa o universo, mas o recria com rigor matemático e vertigem metafísica. Cada conto é um labirinto onde linguagem, tempo e identidade se desfazem. O narrador é sempre um duplo — do leitor, do autor, do personagem. A erudição não pesa: dança entre a filosofia e a ironia. É uma obra que antecipa a era digital com seus algoritmos narrativos. Ao final, resta a suspeita de que tudo o que chamamos realidade pode ser pura ficção.

Um poema de ruínas. Vozes fragmentadas cruzam desertos espirituais e cidades modernas, em um lamento coral pela falência da civilização ocidental. A paisagem é devastada, tanto externa quanto internamente. Mitos antigos surgem como espectros, convocados para dialogar com um presente sem transcendência. A linguagem alterna erudição e desespero. Entre o Tâmisa poluído e a Sibila de Cumas, o leitor se vê diante de uma liturgia esfacelada. A esperança, se existe, está no cansaço e no silêncio. Não se trata de uma narrativa linear, mas de um mosaico místico e estilhaçado. Um clássico que ainda ressoa nos escombros do nosso século.

O sabor de uma madeleine mergulhada no chá desencadeia a mais monumental das introspecções. Neste romance, o tempo não é cronológico, mas sensorial. A memória é o verdadeiro protagonista, e a escrita, uma tentativa de eternidade. Cada gesto, cada flor, cada suspiro, carrega um universo. A aristocracia francesa do fim do século 19 é retratada com agudeza e ironia. Mas o centro da narrativa está na consciência do narrador: hipersensível, detalhista, obsessivo. Ele busca recuperar não apenas o passado, mas o sentido da vida. O fluxo de pensamento se confunde com o fluxo do tempo. Uma obra que transforma o trivial em sublime.

Um parricídio serve de pretexto para um mergulho profundo nas contradições humanas. Três irmãos encarnam facetas opostas da alma: fé, razão e instinto. O pai, figura grotesca, é mais do que um homem — é símbolo de uma Rússia em crise espiritual. O julgamento é apenas o palco visível; o conflito real se dá entre Deus e o niilismo. A narrativa transborda filosofia, mas sem perder o calor dramático. Cada personagem é um abismo. Dilemas morais são tratados com intensidade profética. Há redenção, mas ela é dolorosa e incerta. Um romance total, onde cada página pulsa como uma confissão.

Um gaúcho rebelde abandona a civilização e se refugia na vastidão da pampa. Com versos rimados, a obra narra sua resistência à injustiça e sua luta pela liberdade. Não é apenas um épico rural, mas uma meditação sobre o destino do homem comum. A linguagem é direta, mas carregada de lirismo. As injustiças do Estado e a violência social estão sempre presentes. O protagonista é tanto herói quanto fora-da-lei. Há dor, mas também orgulho e honra. O poema tornou-se símbolo da identidade argentina. Ao final, o canto do gaúcho ecoa como denúncia e celebração.

Um narrador sem nome e sem redenção se apresenta como um homem doente, rancoroso e lúcido. Em tom de confissão, ele desmonta as ilusões da razão iluminista e expõe o caos do livre-arbítrio. Sua fala é cortante, paradoxal, muitas vezes incoerente — e justamente por isso, humana. Ele despreza o progresso, o otimismo e a civilidade. Prefere o sofrimento à previsibilidade. Nada deseja mais do que não desejar. A narrativa é claustrofóbica, feita para incomodar. Não há heróis, apenas espelhos. Um monólogo que antecipa a angústia do século 20 e desafia qualquer conforto psicológico.

Um casal humilde tenta se casar, mas é impedido por forças corruptas e violentas. A história, ambientada na Lombardia do século 17, combina romance, crítica social e fé cristã. A peste, a fome e a guerra são retratadas com realismo pungente. No centro da narrativa está a busca por justiça em um mundo dominado pelo abuso de poder. Mas há também compaixão e esperança. O estilo combina erudição e acessibilidade. O autor faz do romance uma forma de catequese ética. A travessia dos protagonistas torna-se símbolo da resistência humana diante da opressão. Um clássico que moldou a literatura italiana moderna.