Todos nos deparamos com uma infinidade de vezes em que é fundamental que abandonemos o caminho pelo qual íamos gostosamente nos perdendo e refaçamos o percurso, do começo, se necessário. Questões que tocam o mais fundo de nossa consciência, as mais íntimas, as que se depositam nos lugares mais recônditos, as dúvidas, as incertezas, os dilemas existenciais, sempre nos assombrando nos momentos em que precisávamos de toda a serenidade, as inquietudes que tornam a vida um desafio quase inexpugnável: sobram-nos razões para que sintamo-nos a espécie mais desventurada da Criação.
Em sendo assim, continua absurda mas pouco chocante a constatação de que iremos continuar passando por revoluções, involuções, guerras que dizimam povos irmãos, chacinas, toda sorte de barbárie que só leva à inevitável conclusão de que o homem é mesmo o lobo do homem, de que estamos condenados a cometer os mesmos erros pelos séculos dos séculos, até que nos salvem os bárbaros, trazendo alguma falsa solução com que teremos o maior prazer de nos iludir. De algum modo, “O Homem do Saco” chega a todas essas conclusões, partindo de uma premissa bastante sui generis.
Falta de dinheiro pode ser o maior dos problemas de quem sofre privações de quase todas as outras categorias. Mas como explicar que depressão, síndrome do pânico, crises de ansiedade, ideação suicida e tantos males do espírito infernizem atrizes, atletas, empresários, religiosos, enfim, gente supostamente bem-resolvida e descolada, a despeito de tudo quanto essas pessoas façam para não soçobrar no lago tépido e cinzento da tristeza clínica? Colm McCarthy dedica-se a esmiuçar como seria se o gênero humano se flagrasse presa de uma sucessão de cataclismos que, sem trégua, o encalacrasse numa conjuntura que só apontasse para o fim iminente de tudo, sem nenhuma chance de defesa — todos gerados de um trauma da tenra idade. O Homem do Saco do roteiro de John Hulme nada mais é do que uma representação arquetípica e alegórica do medo de um pai de família não dar conta de sustentar os seus, uma agonia que Sam Claflin personifica brilhantemente ao longo da hora e meia de filme.
Valores caros à civilização, sem os quais todos já teríamos soçobrado em meio a conflitos armados cada vez mais frequentes, relações íntimas marcadas pelo abuso e pela psicopatia, a justa descrença quanto a alguma evolução, precisam ser permanentemente resgatados para que não nos esqueçamos da nossa humana condição, desventurada em essência, porém cheia de fantasiosas possibilidades. Patrick McKee, o personagem a que Claflin dá vida, aprende a sufocar em si os medos da meninice, apenas para ter de reencontrar-se com eles em adulto, numa conjuntura bem mais desfavorável. Ter constituído um belo matrimônio com Karina, a mulher compreensiva e alto astral interpretada por Antonia Thomas, claro, não é o suficiente para sufocar seu pânico, e McCarthy faz o enredo vibrar nesse diapasão, até que o mistério nada misterioso revele-se. Ainda assim, “O Homem do Saco” guarda bons momentos, incluindo um ou outro susto, como todo bom terror que se preze.
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