Os gênios da literatura nunca beberam apenas por sede. Para muitos deles, o copo era tão fundamental quanto a caneta — um instrumento de revelação, refúgio ou ritual. Enquanto o mundo os via como arquitetos de frases imortais, eles, muitas vezes, escreviam com a outra mão ocupada: segurando uma taça, uma caneca, um copo de vidro grosso. Havia algo de profundamente simbólico no ato de beber para esses escritores: não se tratava apenas do líquido, mas do que ele convocava — lembranças, fantasmas, ideias, delírios.
As bebidas que acompanharam esses autores ao longo da vida formam uma espécie de mapa sensorial da criação literária. Cada gole traz uma chave para o universo de suas obras: o café furioso de Balzac explica sua hiperatividade narrativa; o chá de Virginia Woolf tem o mesmo pulso contido e meditativo de seus monólogos interiores; o absinto de Wilde traduz seu gosto pela beleza decadente e pelo excesso refinado. O que se bebe enquanto se escreve é, quase sempre, uma forma de dizer o que não cabe na frase.
Essa lista, portanto, é mais do que uma curiosidade: é um inventário poético das escolhas líquidas que moldaram algumas das mentes mais brilhantes da história. São 15 escritores clássicos e suas bebidas favoritas — com histórias que revelam muito mais do que preferências de paladar. Aqui, o copo é espelho, é metáfora, é vício e é vocação. Cada bebida conta não só o que eles bebiam, mas o que eles eram — ou tentavam ser.
Prepare-se para uma viagem através de cafés insones, vinhos trágicos, martínis meticulosos e chás introspectivos. Porque quando grandes escritores escolhem o que beber, não estão apenas matando a sede: estão criando atmosferas, selando pactos secretos com o invisível. O que bebiam os gênios? As respostas estão a seguir — em goles, não em frases.
Ernest Hemingway — Mojito
Poucos autores beberam com tanta intensidade — e estilo — quanto Hemingway. Nos anos em que viveu em Cuba, transformou o mojito em ritual criativo: rum branco, hortelã, açúcar e gelo, tão direto quanto sua prosa. Frequentava o bar La Bodeguita del Medio quase como se fosse seu escritório de campo. Para ele, escrever e beber não eram opostos, mas combustíveis do mesmo incêndio. O álcool lubrificava os instintos e empurrava as palavras para o papel. Em “O Velho e o Mar”, cada silêncio parece marinar em rum.
F. Scott Fitzgerald — Gin Rickey
O gin corria nas veias de Fitzgerald com a mesma sofisticação amarga que escorre pelas páginas de “O Grande Gatsby”. Seu coquetel favorito, o Gin Rickey — gin, soda e limão, sem açúcar — era a bebida perfeita para um autor que oscilava entre o glamour e o colapso. Dizia que o gin não deixava cheiro, ideal para escritores discretamente arruinados. Bebia como quem dançava: tentando manter a forma mesmo ao cair. Sua decadência era performática, sua bebida, estética. E seus copos, como seus personagens, cheios de promessas quebradas.
Virginia Woolf — Chá preto com leite
Woolf não bebia para esquecer o mundo, mas para compreendê-lo em estado de pausa. Seu chá — sempre preto, forte, com leite — era um bastidor silencioso para a revolução literária que liderava. Em “Mrs. Dalloway”, o tempo se dilui em detalhes, como o açúcar na infusão. O chá não era só bebida, mas âncora, hábito, centro. Servido à inglesa, com elegância doméstica, trazia estabilidade entre surtos e epifanias. Se a consciência era um rio, o chá era a margem de onde ela observava.
Oscar Wilde — Absinto
Wilde não apenas escrevia com ironia: ele a bebia. Seu amor pelo absinto — a lendária “fada verde” — era tão teatral quanto sua obra. Em cafés parisienses, misturava o licor com açúcar e aforismos. Para ele, a embriaguez era arte, exagero, máscara. Wilde dizia que “viver é a coisa mais rara do mundo” — e fazia do copo uma extensão dessa filosofia. Em “O Retrato de Dorian Gray”, a beleza e a decadência se confundem — como o gosto amargo do absinto. Não bebia para esquecer, mas para intensificar tudo.
Honoré de Balzac — Café preto fortíssimo
O motor criativo de Balzac era movido a cafeína — e em doses cavalares. Calcula-se que consumia mais de 50 xícaras por dia, preparando o próprio café como quem afia uma lâmina. Amargo, escuro, concentrado: o café refletia a densidade de sua obra monumental, “A Comédia Humana”. Ele dizia que a bebida fazia as ideias marcharem como exércitos em guerra. Dormia pouco, escrevia muito, bebia sempre. Em suas madrugadas furiosas, o café era Deus, demônio e tinta.
Charles Baudelaire — Vinho tinto (e ópio líquido)
Baudelaire não bebia por hábito, mas por estética. Via o vinho como uma forma líquida de poesia — e a embriaguez, um estado de elevação artística. Preferia os tintos densos, que fermentavam suas visões sombrias e sensuais em “As Flores do Mal”. Também experimentava óleos com traços de ópio, em busca de experiências fora do tempo. Para ele, embriagar-se era um imperativo existencial. No copo, buscava o que não encontrava nos salões burgueses: o sublime. E ele o bebia até o último gole.
Truman Capote — Dry Martini
Capote era um dândi do verbo e da bebida. Preferia martínis secos, frios, com azeitona perfeitamente posicionada — cada copo uma declaração de estilo. Dizia que escrevia melhor depois do segundo gole, mas jamais passava do terceiro. Em festas glamorosas ou noites solitárias, o dry martini era seu parceiro fiel. Em “A Sangue Frio”, a precisão cirúrgica do texto ecoa o rigor de sua taça. Bebia como falava: com inteligência, afetação e pontaria. E sempre de maneira memorável.
Franz Kafka — Leite quente
Kafka não bebia álcool. Bebia culpa. O leite quente, sua escolha mais frequente, revelava o menino enclausurado no corpo do funcionário e do escritor. Era uma bebida infantil, reconfortante, quase penitente. Servia para acalmar o estômago e o espírito — ambos frágeis. Seus escritos, como “A Metamorfose”, têm o mesmo tom de contenção. Em vez de fugir da realidade, ele a destilava até o osso. No copo de Kafka, não havia festa — havia expiação.
Jorge Luis Borges — Mate amargo
Borges bebia mate como quem lê Shakespeare — com solenidade e ritmo interno. A erva amarga e o ritual de preparo dialogavam com sua obsessão por formas, repetições e símbolos. A bebida o ligava à tradição argentina, mas também ao silêncio filosófico. Em “O Aleph”, tudo cabe em um ponto; no mate, tudo cabe em uma cuia. Tomava sozinho, devagar, quase como meditação. Para ele, cada gole era uma metáfora discreta. E todo tempo cabia naquele amargo quente.
James Joyce — Cerveja Guinness
A Guinness não era só cerveja para Joyce — era chão. Representava a Irlanda com mais fidelidade que muitos hinos. Bebia nos pubs dublineses como quem escreve entre os goles. Em “Ulisses”, há mais álcool do que adjetivos, e isso não é pouco. A densidade da cerveja espelha a complexidade de sua linguagem. A espuma escura carrega ecos de infância, herança, blasfêmia. Joyce não tomava Guinness: ele a invocava como memória líquida.
Sylvia Plath — Vinho branco gelado
Plath bebia como quem marca a distância entre lucidez e colapso. Preferia vinhos brancos leves, gelados a ponto de ferir os lábios. Bebia sozinha, em silêncio, ouvindo a respiração dos versos. Em “A Redoma de Vidro”, há goles não escritos que tremem nas entrelinhas. A bebida oferecia alívio e ameaça. Servia para amortecer extremos — ou acentuá-los. Era frescor disfarçado de abismo.
Liev Tolstói — Kvass
Em sua virada espiritual, Tolstói rejeitou a vodca e adotou o kvass: bebida popular, fermentada, quase sem álcool. O gesto era mais do que dietético — era político. Em “A Morte de Ivan Ilitch”, o conforto está na simplicidade. O kvass, feito de pão preto, representava a fé no povo e na humildade. Bebia-o como símbolo de renovação ética. A bebida era rústica, sim — mas também sagrada. E Tolstói brindava com ela a um mundo mais justo.
Emily Dickinson — Limonada
Dickinson habitava o mundo como um ponto de exclamação invisível. E bebia limonada como quem sorve a luz da manhã. Preparava sozinha, às vezes com mel ou hortelã do jardim. Em seus poemas curtos, há o mesmo frescor ácido. A bebida era a interrupção perfeita entre dois versos. Em “Porque eu não pude parar para a Morte”, até o fim parece doce. Ela bebia o mundo em pequenas doses. E nunca desperdiçava uma gota.
Jack Kerouac — Uísque barato
Kerouac escrevia como quem acende fósforos dentro do peito. E bebia uísque como quem aceita queimar. Não fazia questão de rótulos — bastava que fosse forte e estivesse ali. Em “On the Road”, o álcool é paisagem, impulso e travessia. Bebia em postos, carros, porões, quartos emprestados. O uísque era sangue e gasolina. E cada tragada era uma linha sem volta.
Fernando Pessoa — Licor Beirão
Pessoa bebia como quem consulta os astros. Preferia o Licor Beirão — doce, herbal, português até o fim. Tomava devagar, em cafés de Lisboa, como quem traduz o invisível. Em “Livro do Desassossego”, o copo aparece como ritual de fragmentação. Não era o álcool que o movia, mas o que ele revelava. O licor era pequeno, mas continha mundos. E, no fundo do copo, talvez morasse Álvaro de Campos.