O filme mais assistido do momento na Netflix: Top 1 em 60 países Divulgação / Netflix

O filme mais assistido do momento na Netflix: Top 1 em 60 países

Poucos filmes têm a coragem de erguer-se contra a previsibilidade dos modelos narrativos consolidados sem escorregar no experimentalismo vazio. “iHostage” produção holandesa — que à primeira vista poderia ser reduzida a um relato factual envernizado para o entretenimento — opta por um caminho menos trilhado: o da crueza controlada, onde o desconforto não é ruído, mas métrica. Desde os primeiros quadros, há não cede ao sensacionalismo; a câmera não busca seduzir, mas confrontar. E é nesse choque, não com a violência explícita, mas com a densidade moral do que é insinuado, que reside a força perturbadora do filme.

A estética adotada pelo diretor, Bobby Boermans, não recorre a arroubos formais nem tenta disfarçar sua origem documental sob camadas de dramatização cinematográfica. A narrativa pulsa com a tensão de algo que não foi escrito para entreter, mas para inquietar — e talvez justamente por isso consiga prender com mais eficácia. A montagem alterna momentos de urgência com lapsos de estagnação que beiram o incômodo, o que poderia ser lido como oscilação de ritmo, mas revela-se, ao longo da obra, como uma tentativa deliberada de espelhar o fluxo caótico da realidade. Não há construção de clímax, nem alívio cênico: há apenas o peso crescente de uma história que se recusa a ser contada com suavidade.

Mas a escolha por uma estrutura que alterna aceleração e pausa não se sustenta com a mesma precisão até o fim. Há, sim, um descompasso que se acentua no último terço do filme, quando a complexidade emocional construída com minúcia dá lugar a resoluções apressadas ou verbalizadas em excesso. Esse momento de hesitação narrativa enfraquece o impacto de uma trajetória até então quase exemplar, ao recorrer a uma sobreexplicação que diminui a confiança no silêncio — que até então era o fio mais potente da comunicação com o espectador. A contenção emocional, uma das virtudes do filme, cede terreno a uma tentativa de reafirmação moral que soa desnecessária.

Ainda assim, há um mérito inequívoco na maneira como o roteiro não pinta heróis e vilões com pinceladas fáceis. As figuras retratadas ganham contornos dissonantes, muitas vezes desconfortáveis. O que se observa não é apenas um fato reconstituído, mas um retrato em camadas do impacto psicológico que uma tragédia arrasta consigo — não apenas sobre os diretamente envolvidos, mas também sobre os olhares periféricos que orbitam o acontecimento. O filme não oferece respostas: ele coloca o espectador diante de questões sem desfecho, onde cada escolha parece carregar em si a sombra de um custo ético intransponível.

Esse jogo de perspectivas, que vai além da narrativa principal, amplia o escopo reflexivo da obra. O espectador não é conduzido por uma linha narrativa fechada, mas convidado a vagar entre versões dos fatos que se entrecruzam e se contradizem. Ao invés de utilizar a imprensa como único vetor da verdade, o filme articula diferentes vozes — as da vítima, do agressor, das testemunhas e da sociedade — sem hierarquizá-las. O resultado é um espelho fragmentado onde cada estilhaço reflete uma faceta do trauma coletivo e individual, recusando o conforto das respostas únicas.

A escolha por um elenco que prioriza a introspecção ao invés da exuberância dramática é uma das decisões mais acertadas da produção. Os protagonistas transitam entre o abatimento contido e o desespero implícito, entregando atuações que não precisam de grandes discursos para expressar o que foi rompido por dentro. A dor é sugerida mais pela rigidez dos corpos e pelos silêncios constrangedores do que por lágrimas ou gritos. Entretanto, essa sofisticação interpretativa não é homogênea: em determinados momentos, personagens secundários destoam pela artificialidade, quebrando a coesão dramática construída com tanto cuidado. São brechas pequenas, mas perceptíveis, em um conjunto que almeja precisão emocional.

Curiosamente, o filme flerta ocasionalmente com um estilo narrativo mais próximo do melodrama de apelo internacional — especialmente no uso excessivo de trilha sonora para induzir respostas emocionais. Essa escolha, embora compreensível como tentativa de ampliação do alcance emocional, dilui parte da aspereza que torna o enredo tão incômodo quanto necessário. O risco de estetizar o sofrimento é real, e em alguns momentos o filme escorrega nesse terreno. Basta lembrar o contraste com obras como “Um Dia de Cão”, que sustentam sua força justamente por não tentar revestir a brutalidade com musicalidade ou metáforas redentoras.

Ainda assim, a honestidade com que os eventos são retratados se sobressai. Não há escapatória confortável, nem tentativa de purificação simbólica. A história incomoda porque não alivia, e ressoa porque não conclui. Ela permanece com o espectador como uma ferida que não se fecha, mas que obriga a olhar. 

Filme: iHostage
Diretor: Bobby Boermans
Ano: 2025
Gênero: Crime/Drama/Thriller
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★