Romance com Jennifer Lawrence e Bradley Cooper digno de Shakespeare está no Prime Video Divulgação / 2929 Productions

Romance com Jennifer Lawrence e Bradley Cooper digno de Shakespeare está no Prime Video

Há filmes que preferem o caminho áspero, sem atalhos para o afeto ou alívios que suavizem o desconforto. “Serena”, dirigido por Susanne Bier e protagonizado por Jennifer Lawrence e Bradley Cooper, pertence a essa categoria de narrativas que incomodam não por falharem em entreter, mas por se recusarem a negociar com as expectativas do público. A aparente frieza que envolve o longa — e que lhe rendeu olhares atravessados de crítica e plateia — talvez seja apenas o resultado de uma honestidade rara: a de um filme que não busca redenção, nem dos personagens, nem da história que conta.

Ambientado nos anos 1930, em plena ressaca da Grande Depressão, “Serena” é menos um drama romântico — como erroneamente foi rotulado por muitos — e mais um estudo sombrio sobre o apodrecimento da alma diante do poder. Ao acompanhar a ascensão e derrocada de George Pemberton e sua esposa, Serena, o filme revela não apenas um casal tomado pela ambição, mas dois indivíduos que encarnam diferentes formas de destruição. A floresta que George explora sem trégua não é apenas cenário, mas símbolo: uma terra que sangra à medida que ele avança, incapaz de conter sua obsessão por controle e expansão.

Bradley Cooper empresta ao personagem uma intensidade contida, revelando pouco a cada gesto, como se George fosse, desde o início, um homem em erosão. Já Jennifer Lawrence interpreta Serena com uma frieza deliberada, desmentindo a fragilidade aparente de sua figura. Há algo de espectral em sua presença — como se a personagem não estivesse apenas vivendo entre os vivos, mas já habitando uma espécie de luto perpétuo. Sua força não vem do excesso de emoções, mas da ausência delas. Ela não implode: implode os outros.

A aproximação entre Serena e figuras trágicas da literatura é inevitável. Há ecos de Lady Macbeth em sua disposição para conduzir, manipular e eliminar. Mas enquanto Shakespeare conferia à sua personagem momentos de culpa e delírio, Bier e Lawrence optam por uma Serena impenetrável, que nunca se dissolve nem se explica. Ela não se justifica. Ela age. E é justamente nesse silêncio que reside sua potência: Serena é uma figura que incomoda porque escapa às categorias prontas de heroína ou vilã. Ela é, simplesmente, um vetor de ruína.

A estética adotada pelo filme acompanha essa proposta narrativa. Os planos fechados, muitas vezes trêmulos, criam uma sensação de sufocamento. A beleza das paisagens não serve para embelezar, mas para contrastar com a podridão crescente dos personagens. A floresta, ainda que vasta, não oferece abrigo; ela apenas amplia o eco das escolhas irreversíveis que cada um faz. A câmera, ao invés de servir como guia confortável, age como testemunha incômoda — quase cúmplice, quase carcereira.

“Serena” também subverte o que se esperaria de uma trama situada em tempos de crise econômica. Não há aqui o impulso de solidariedade, tampouco a denúncia social como redenção narrativa. O que se vê é um deserto afetivo em expansão, onde cada gesto carrega o peso de uma urgência privada que atropela qualquer coletividade. As tentativas de salvar ou proteger algo — um filho, um amor, um futuro — são, em última instância, tentativas de perpetuar o domínio sobre aquilo que já está condenado. E é nesse terreno moral devastado que o filme se instala com desconfortante clareza.

Ao escolher o Brasil como destino idealizado pelos Pemberton, Bier introduz um elemento de fuga que nunca se concretiza. O país, mencionado com frequência como promessa de reinício, permanece como uma miragem conveniente: um horizonte que nunca se alcança, mas que serve para empurrar decisões insensatas. O trópico, nesse contexto, não é lugar de renovação, mas desculpa geográfica para a recusa de enfrentar o fracasso. Não se trata de sonhar com outro mundo, mas de não suportar o próprio.

É difícil assistir a “Serena” esperando prazer ou identificação. O filme não oferece personagens cativantes, tampouco situações que despertem empatia fácil. Todos são, em maior ou menor grau, peças corrompidas por uma engrenagem que eles mesmos alimentam. E essa recusa deliberada em construir figuras redentoras é parte do projeto estético e ético do filme. Serena e George não são monstros nem mártires: são, antes, produtos perfeitos de uma lógica em que afeto, ética e responsabilidade são valores descartáveis frente à promessa de posse e poder.

O que muitos leram como fracasso pode ser, na verdade, a coragem rara de sustentar um incômodo até o fim. “Serena” não é um filme que se esforça para ser amado. Ele não oferece catarse nem consolo. Mas é justamente nessa aridez — nesse chão infértil onde nenhum afeto brota com facilidade — que ele ergue sua força. Há uma lucidez devastadora em sua recusa a narrar a história sob os códigos convencionais do drama moral. Não há aprendizado, apenas perda. Não há reconciliação, apenas silêncio.

O espectador não sai reconfortado, mas afetado — e essa diferença é fundamental. “Serena” exige mais do que atenção: exige uma disposição para encarar a narrativa como se encara um espelho sujo, onde tudo o que se vê reflete não uma fábula de superação, mas um lembrete sombrio sobre o que resta quando a esperança é devorada pela sede de conquista.

Filme: Serena
Diretor: Susanne Bier
Ano: 2014
Gênero: Drama/História/Romance
Avaliação: 7/10 1 1
★★★★★★★★★★