Ninguém queria ver — e virou o maior sucesso romântico dos últimos anos (contra todas as apostas) Divulgação / Olive Bridge Entertainment

Ninguém queria ver — e virou o maior sucesso romântico dos últimos anos (contra todas as apostas)

Em uma era em que as comédias românticas parecem oscilar entre o ostracismo e a nostalgia, “Todos Menos Você” emerge como um experimento que, ao invés de negar suas raízes, as potencializa até a caricatura. O filme orquestrado por Will Gluck, longe de buscar a subversão dos códigos do gênero, opta por uma espécie de reverência irreverente a “Muito Barulho por Nada”, de William Shakespeare, ao transplantar seus arquétipos para um cenário contemporâneo, recheado de artifícios narrativos já sedimentados pelo tempo.

A ironia que permeia essa adaptação não reside na tentativa de modernizar o texto original, mas na decisão de escancarar sua atemporalidade, mesmo quando envolta em diálogos temperados por gírias atuais e situações deliberadamente absurdas. Ben e Bea, recriações descompromissadas de Benedick e Beatrice, não são apenas protagonistas de uma comédia romântica genérica; são alegorias do próprio desgaste do gênero, reinventadas não para surpreender, mas para reafirmar o prazer da previsibilidade.

É justamente nessa previsibilidade assumida que reside a singularidade do filme. Longe de aspirar à densidade de clássicos como o de Kenneth Branagh, Gluck propõe um jogo cênico em que o raso é não só permitido, como celebrado. Cada cena, carregada de confusões artificiais e estratégias sentimentais frágeis, não busca plausibilidade, mas sim cumplicidade com um público que reconhece e acolhe o artifício. A narrativa, costurada por mal-entendidos e reconciliações simuladas, não se esforça para enganar, mas para divertir com honestidade cínica. A presença de Sydney Sweeney e Glen Powell, cuja química beira o exagero, reforça essa proposta, oferecendo não interpretações memoráveis, mas presenças cênicas que preenchem o vazio proposital do roteiro. A leveza do encontro inicial, assim como o rancor forçado que se segue, funcionam não como motores dramáticos, mas como peças de um quebra-cabeça familiar, cujas bordas já conhecemos, mas que ainda assim somos levados a completar.

Entretanto, limitar-se a enxergar “Todos Menos Você” como mero produto de entretenimento superficial seria ignorar sua vocação metalinguística. A adaptação não apenas repete os passos do gênero; ela o comenta. Ao piscar para o público com referências diretas a “Muito Barulho por Nada” e ao assumir o namoro de fachada como espinha dorsal da trama, o filme revela-se consciente de sua posição em um panorama saturado, onde cada reviravolta romântica já foi exaustivamente explorada. Gluck e Ilana Wolpert não camuflam esse esgotamento criativo; ao contrário, fazem dele o combustível para um roteiro que funciona como sátira e homenagem. É nesse território ambíguo que personagens secundários, como Pete (GaTa), ganham espaço para questionar, ainda que de forma velada, a lógica dos protagonistas. As relações periféricas, embora pouco desenvolvidas, insinuam a possibilidade de narrativas mais densas, que o filme deliberadamente escolhe não seguir.

Essa recusa ao aprofundamento, no entanto, não empobrece a experiência. Pelo contrário, oferece ao espectador uma liberdade rara: a de desfrutar de uma história sabidamente efêmera, desprovida de pretensões transformadoras. Em tempos de narrativas sobrecarregadas por significados e reviravoltas forçadas, há um frescor inesperado na simplicidade com que “Todos Menos Você” conduz sua trama. A beleza está na leveza, na capacidade de ocupar um espaço transitório na memória do público, sem exigir fidelidade ou reflexão prolongada. Ao apostar em uma estética de exageros controlados, o filme permite que suas fragilidades se convertam em virtudes, oferecendo não um romance inesquecível, mas uma experiência cúmplice, quase conspiratória, entre criadores e espectadores.

Se há algo que perdura após os créditos finais, não é o enredo, nem tampouco as atuações. O que permanece é a constatação de que, mesmo em sua forma mais esvaziada, a comédia romântica ainda é capaz de dialogar com seu público, desde que aceite suas limitações com honestidade e humor. “Todos Menos Você” não se propõe a reinventar nada, tampouco a competir com os grandes títulos que o antecederam. Sua força está na transparência com que assume seu papel: o de ser, por algumas horas, um reflexo despretensioso de desejos e frustrações compartilhados, embalados por sorrisos previsíveis e reviravoltas já conhecidas, mas ainda assim acolhedoras. Não é o tipo de filme que se recomenda com entusiasmo, mas aquele que, ao ser lembrado, provoca um sorriso condescendente, como quem reconhece a validade do trivial quando bem executado.

Filme: Todos Menos Você
Diretor: Will Gluck
Ano: 2023
Gênero: Comédia/Romance
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★