Terror com Russell Crowe mistura sagrado e profano e te leva ao limite do medo, no Prime Video Divulgação / Sony Pictures

Terror com Russell Crowe mistura sagrado e profano e te leva ao limite do medo, no Prime Video

“O Exorcista do Papa” é um terror clichê que encontra um espaço insólito entre o convencional e o insubordinado. A premissa — aparentemente mais uma incursão entre latins guturais e corpos contorcidos — carrega o que se esperaria de qualquer derivado do gênero: possessão, fé em crise, obscurantismo católico e a eterna dança entre o sagrado e o profano. Mas em vez de buscar a reinvenção pela ruptura, o filme opera a partir de uma inteligência curiosa: entende onde está pisando e decide jogar com as cartas da previsibilidade, mas com um embaralhamento estético e tonal que lhe dá fôlego próprio.

A velocidade com que a narrativa se desenrola, sem qualquer apego ao desenvolvimento pausado de personagens ou vínculos emocionais sólidos, poderia parecer como uma falha estrutural. Porém, há um paradoxo fértil nessa aceleração: ao comprimir os interlúdios dramáticos, o filme cria uma tensão constante, quase claustrofóbica, que dispensa transições emocionais e aposta num dinamismo direto, como se o horror fosse uma urgência inegociável. É nesse terreno que Russell Crowe mostra sua presença — não como a caricatura do sacerdote traumatizado, mas como uma figura que mistura irreverência e pragmatismo, transparecendo uma familiaridade desconcertante com o próprio abismo.

Crowe transforma o arquétipo. Em vez de personificar o martírio espiritual, seu personagem circula pela trama com uma leveza cínica, ironizando os rituais que executa sem nunca desacreditá-los. Trata-se de uma performance que se equilibra entre o pastiche e o cálculo dramático, desestabilizando as expectativas sem trair o tom central da história. Sua interação com Daniel Zovatto rompe a hierarquia comum de mestre e discípulo, gerando uma cumplicidade que atua como válvula de escape da gravidade dos acontecimentos. O diálogo entre ambos sustenta o filme mais do que qualquer curva de roteiro: há, na troca entre os dois, uma humanidade que escapa à lógica do susto e atinge um plano quase confessional.

Se o terror aqui não chega a ser visceral, tampouco se pretende a isso. A força está na ambiência: criptas sufocantes, catedrais que exalam umidade e decadência institucional, sombras projetadas não apenas por velas, mas por séculos de disputas silenciosas dentro da Igreja. O cenário europeu, com sua herança gótica e seu peso histórico, não serve apenas como pano de fundo — ele insinua uma teologia em decomposição, uma estrutura corroída pela arrogância dos dogmas. O roteiro, sem insistir em alegorias óbvias, sugere um embate interno dentro do próprio clero, em que forças antagônicas disputam mais do que a salvação de uma alma: brigam por hegemonia simbólica.

Ainda assim, o filme hesita em aprofundar as fissuras que insinua. As intrigas institucionais, embora bem sugeridas, se dissolvem em meio ao fluxo episódico da narrativa. O demônio, apesar de bem articulado em termos cênicos, repete gestos e gritos que já foram esgotados por décadas de exploração temática. Não há invenção formal no modo como o horror se manifesta; tampouco há surpresas na estrutura do enfrentamento final. O roteiro escolhe o conforto do familiar, o que enfraquece qualquer tentativa de ruptura mais incisiva.

Porém, a previsibilidade aqui opera em regime de alta competência. Não há ambição de ruptura, mas há rigor na condução. Cada cena cumpre sua função com eficácia, sustentada por uma direção que compreende o ritmo exigido pelo gênero e não se perde em excessos estilísticos. A fotografia, entre o sepulcral e o simbólico, amplia a sensação de clausura espiritual sem recorrer a filtros artificiais. Os efeitos visuais, majoritariamente discretos, cumprem seu papel sem eclipsar os intérpretes, o que é raro em produções contemporâneas que costumam se afogar no espetáculo digital.

A ausência de invenção, nesse caso, não equivale à mediocridade. O filme entende suas limitações e opera dentro delas com uma consciência rara. Se não oferece riscos criativos, também não cai na armadilha da pretensão vazia. Sua força está no equilíbrio entre o entretenimento de gênero e a entrega honesta de uma narrativa com timing e atmosfera. É um exercício de contenção que sabe extrair potência dos detalhes: um olhar de ironia no meio do caos, um suspiro antes do confronto, um silêncio entre dois homens que já viram demais.

“O Exorcista do Papa” talvez jamais ocupe um lugar de destaque entre os clássicos que reconfiguraram o horror religioso. Não há nele o peso mítico de “O Exorcista” nem o rigor dramático de “O Exorcismo de Emily Rose”. No entanto, há algo de singular na maneira como se recusa a fracassar. É como se soubesse que não será lembrado — e, justamente por isso, não tenta se fazer inesquecível. Prefere ser eficiente. E, em tempos em que o susto fácil domina e o pastiche é regra, essa decisão, por mais discreta que pareça, representa uma forma de coragem.

Filme: O Exorcista do Papa
Diretor: Julius Avery
Ano: 2023
Gênero: horror/Thriller
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★