Cineastas negros que exploram o terror social como linguagem e tema de seus filmes têm alcançado um público cada vez maior. Esse movimento tem sido impulsionado, claro, pelos serviços de streaming, que distribuem com muito mais rapidez e alcance produções independentes, estrangeiras e fora do circuito tradicional — algo que cinemas e antigas videolocadoras jamais conseguiram fazer. O cinema de baixo orçamento tem se beneficiado diretamente da tecnologia para alcançar novas plateias.
Embora esse não seja exatamente o caso de “Pecadores”, terror social de Ryan Coogler estrelado por Michael B. Jordan — em dose dupla, no papel dos gêmeos Fuligem e Fumaça —, o longa-metragem certamente se apoia nesse momento de ascensão do cinema negro, ou do chamado “black horror”, que ganhou espaço junto ao grande público graças a plataformas como Netflix e Prime Video. Se você ainda tem dúvidas sobre quem são os nomes relevantes do gênero, aqui vai uma lista resumida: Jordan Peele, Nia DaCosta, Remi Weeks, Nathaniel Martello-White, entre outros. Pesquise por filmes desses cineastas assim que puder!
Ryan Coogler — diretor de “Pantera Negra” e “Pantera Negra: Wakanda Forever” — entrega um marco dentro do gênero em 2025, ao transformar a elite branca em um trio de vampiros que se aproxima de um clube de blues atraído pelo talento musical do protagonista, Sammie Moore (Miles Caton). Além dos acordes precisos na guitarra, Sammie desarranja os espectadores ao soltar seu vozerão barítono. Mas, como alertou seu pai — pregador de uma igreja pequena e fervorosa —, sua música, cedo ou tarde, atrairia o mal.
Todo mundo sabe que a vaidade é um dos pratos preferidos do Diabo — e com ela sempre vem a inveja. É justamente quando Sammie decide abandonar a igreja para se dedicar ao blues no bar recém-inaugurado por seus primos mafiosos, Fuligem e Fumaça, que a inveja dos vampiros brancos se manifesta. O trio aparece por lá, mas, como já se sabe, vampiros só entram quando convidados. E eles só conseguem atravessar a porta do bar de blues graças a uma mulher branca infiltrada na comunidade: Mary (Hailee Steinfeld).
Mary tem um passado com Fuligem, antes de ele e o irmão partirem para Chicago, onde trabalharam para Al Capone e depois voltarem como donos do novo negócio de blues na cidade. Os dois viveram um romance na juventude. A mãe de Mary foi quem fez o parto dos gêmeos e cuidou deles após a morte da mãe biológica. Embora Mary e a mãe tenham uma conexão legítima com a comunidade negra, é Mary quem se torna a via de entrada dos vampiros: mordida e contaminada, ela consegue atravessar as portas do clube, carregando consigo o horror da noite.
Se a metáfora não está clara o bastante, o filme faz uma crítica direta à apropriação branca da cultura negra — das músicas, vestimentas e costumes. O próprio enredo deixa explícito isso ao dizer que “os brancos adoram a cultura negra, mas não quem a produz”. O trio de vampiros se apresenta como uma banda de folk — um gênero branco profundamente influenciado pelo blues. Chegam com aparência impecável, cantam músicas assépticas e sem alma, e ainda assim conseguem convencer parte da comunidade negra de seu suposto talento — uma alegoria afiada ao mercado musical contemporâneo.
“Pecadores” traz ótimas sacadas, frases de efeito bem construídas e atuações carismáticas, especialmente de Michael B. Jordan e do veterano Delroy Lindo, que brilha como Delta Slim, dono das falas mais cômicas do filme. Sangrento e com influências nítidas de Robert Rodriguez e Alfred Hitchcock, o longa não tem espaço para a monotonia, mantém o ritmo afiado e ainda entrega seus “jump scares” sem abrir mão de uma crítica social inteligente e implacável.
O único porém é que, apesar da nota 8,2 no IMDb e dos 98% no Tomatômetro do Rotten Tomatoes, o filme — que passeia entre o trash e o cult — pode não agradar a todos. Isso porque seu escracho deliberado talvez não seja totalmente compreendido ou apreciado por quem não tem um olhar suficientemente atento ou paladar mais apurado.
★★★★★★★★★★