Nova série turca acaba de estrear, é uma das grandes apostas da Netflix em 2025 Divulgação / Netflix

Nova série turca acaba de estrear, é uma das grandes apostas da Netflix em 2025

A vida seria uma inútil maravilha se, de tempos em tempos, não tivéssemos um rasgo de certeza quanto às incontáveis questões que fustigam o gênero humano. Conforme os anos se sucedem, mais a ideia de que tudo converge para o fim irremediável toma vulto, já que o plano físico, por mais amplo e até elástico que pareça, com sua ciência aplicada, firme no intuito de prolongar a vida do homem ad aeternum, é e sempre continuará a ser limitado. O passar do tempo e a maturidade — variações sobre temas irmãos, mas que não convergem necessariamente — impingem-nos a lucidez do raciocínio que prega a importância fundamental de se encontrar no mundo um cantinho que seja nosso, só nosso e de mais ninguém, tendo claro que esse lugar não é um feudo, hereditário, imóvel, eterno, já que a própria vida não é nenhuma dessas coisas, e tampouco é sempre pacífica, idílica, plácida (e na maior parte da travessia é exatamente o oposto de tudo isso).

“A Enciclopédia de Istambul” é mais um exemplo do que vêm fazendo de bom os diretores e showrunners turcos, pródigos em tramas sempre envoltas na bruma de um evento obscuro qualquer, partindo de situações invulgares para chegar a histórias até absurdas muitas vezes, mas nem por isso menos tocantes. Para falar de uma garota em busca de independência numa cidade grande, Selman Nacar volta alguns anos e mostra a relação tumultuada entre sua mãe e uma amiga, conflito que reacende por razões diversas, igualmente fortes.

Estar no mundo é o início de um percurso bastante acidentado, ao longo do qual assaltam-nos todos os nefastos pensamentos, colhe-nos a desdita, a tragédia se lança sobre nós com sua fúria habitual, mas entraria na conta de uma utopia espantosa se, por outro lado, também não tivéssemos o plano, por ilusório que fosse, da felicidade possível com que nos habituamos acostumamos ainda em tenra idade, ansiando pela chegada da ventura. Zehra desembarca em Istambul cheia de sonhos buliçosos, mal se aguentando para que comecem as aulas na faculdade. Ela sonha tornar-se arquiteta e quer recuperar o primeiro semestre que perdera o quanto antes, contando com a ajuda dos veteranos, mas parece que não está tão atrasada quanto supunha.

“A Enciclopédia de Istambul” foi escrita pelo historiador Reşad Ekrem Koçu (1905-1975) entre 1944 e 1973, e pretendia listar as edificações mais simbólicas da capital da Turquia. O trabalho de Koçu resta inconcluso, e apenas Zehra sabia. Ela sussurra a resposta a Harun, um aluno que entra depois da explicação da professora, e os personagens de Helin Kandemir e Kaan Miraç Sezen crescem no decorrer dos oito episódios como um casal improvável, vencendo barreiras até saberem que precisam um do outro.

Em paralelo, Nacar explora o relacionamento de Zehra e Nesrin, uma velha amiga de quem sua mãe passara a falar mal depois de uma ruptura violenta e enigmática. A vinda de Zehra leva a narrativa a vários pontos de ebulição entre a forasteira, desejosa de estabelecer-se na nova cidade, e Nesrin, uma cirurgiã cardíaca de 43 anos que frequenta um curso de francês porque quer mudar-se para Paris. Junto com Kandemir, Canan Erguder alcança o objetivo de provocar em quem assiste a inquietude de questionar as escolhas que tem feito, refletindo também sobre suas conquistas. A aspirante a arquiteta e a médica bem-sucedida, mas insatisfeita, representam essas dois caminhos tortuosos da existência, que “AEnciclopédia de Istambul” tenta desvendar.


Série: A Enciclopédia de Istambul
Criação e direção: Selman Nacar
Ano: 2025
Gêneros: Drama/Coming-of-age
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.