Morreu o Papa Francisco — e este filme no Prime Video revela o segredo mais bem guardado do Vaticano Divulgação / Focus Features

Morreu o Papa Francisco — e este filme no Prime Video revela o segredo mais bem guardado do Vaticano

Nenhum ritual institucional se sustenta por séculos sem consolidar códigos de silêncio, disfarces de virtude e mecanismos de controle refinados. É precisamente nesse território — onde fé e poder se confundem, e onde a espiritualidade convive com os cálculos mais pragmáticos — que Edward Berger finca seu olhar em “Conclave”. Mais do que retratar a eleição papal como mero evento litúrgico, o diretor a traduz como um campo de tensão entre o sagrado e o interesse, onde cada cardeal confinado na Capela Sistina carrega não apenas uma biografia religiosa, mas uma arquitetura interna de contradições, memórias, culpas e estratégias. O resultado é uma narrativa que jamais se contenta com a superfície das vestes carmesins ou das palavras canônicas, mas que escava, com a precisão de um bisturi, os limites éticos de um mundo forjado para parecer infalível.

O que torna a obra particularmente instigante é sua recusa em classificar personagens sob rótulos confortáveis. A figura de Lawrence, interpretado com contenção eloquente por Ralph Fiennes, revela um homem dilacerado entre sua convicção espiritual e a consciência de que conduz um processo contaminado por vaidades disfarçadas de zelo e ambições recobertas por votos de humildade. Berger entende que o verdadeiro poder raramente se impõe com força: ele se insinua, negocia e corrompe em silêncio. O roteiro de Peter Straughan transforma esse jogo de sombras em material dramático denso, onde cada palavra dita carrega uma segunda intenção, e cada silêncio pesa como um veredicto. Não há heróis nem vilões absolutos; há apenas humanos em trajes sagrados, expostos ao teste cruel do confinamento e da escolha.

Esse confinamento, aliás, é mais do que físico. A reclusão dos cardeais em um espaço que reproduz fielmente a Capela Sistina — resultado de uma produção meticulosa filmada em Roma — não simboliza apenas o isolamento do mundo externo, mas também a introspecção forçada a que esses homens são submetidos. Ali, desprovidos de distrações tecnológicas e privados do contato com qualquer voz de fora, cada um precisa enfrentar seus fantasmas. Berger explora essa clausura como metáfora de uma instituição que busca respostas fora de seu próprio labirinto moral. Nesse cenário, despontam figuras como Joshua Adeyemi, cuja vida afetiva contradiz seu voto de castidade; Vincent Benitez, cuja nomeação inesperada ameaça desestabilizar a ordem estabelecida; e Goffredo Tedesco, cuja cruzada purificadora é alimentada por ressentimentos camuflados de ortodoxia. Nenhum deles se encaixa no arquétipo do fiel servo — todos são peças de um jogo em que a santidade tornou-se retórica e a redenção, uma questão de oportunidade.

Visualmente, “Conclave” atinge um grau de sobriedade rara no cinema contemporâneo. A fotografia de Stéphane Fontaine abandona os artifícios fáceis e adota uma estética precisa, quase monástica, em que a luz é usada não para exibir, mas para sugerir — acentuando o contraste entre a imponência dos espaços e a pequenez das motivações humanas que ali se desenrolam. A trilha sonora de Volker Bertelmann acompanha esse projeto com uma parcimônia que beira a abstinência, pontuando a narrativa com sons que mais perturbam do que orientam. Nesse ambiente sensorialmente contido, as performances ganham densidade: John Lithgow e Stanley Tucci ampliam a tensão com atuações que oscilam entre a diplomacia cínica e a convicção desesperada, enquanto Carlos Diehz, em sua estreia surpreendente, confere ao cardeal Benitez uma fragilidade estratégica que desarma o espectador e subverte expectativas.

Nada em “Conclave” é gratuito, muito menos seu final, que recusa a catarse em favor da inquietação. Em vez de fechar questões, Berger opta por expandi-las, transformando o filme numa espécie de espelho invertido: quanto mais olhamos para aquela elite eclesiástica trancada em debate ritualístico, mais identificamos, ali, as estruturas de qualquer instituição que alega autoridade moral sobre o mundo. A fumaça branca que encerra o processo não purifica — ela encobre, rearranja, reorganiza o poder sob nova forma. E é nessa constatação que reside a grandeza da narrativa: ao invés de denunciar ou exaltar, ela analisa. E ao analisar, convida o público a reconhecer que as verdadeiras guerras não se travam com armas, mas com valores instáveis, tradições intocadas e o medo visceral de perder o controle sobre aquilo que, um dia, se acreditou eterno.

Filme: Conclave
Diretor: Edward. Berger
Ano: 2025
Gênero: Drama/Thriller
Avaliação: 10/10 1 1
★★★★★★★★★★