Em um mundo em constante transformação, as descobertas pessoais são marcos inevitáveis de uma vida, e quanto mais cedo vêm, mais impacto têm. E, assim como a sociedade não para de evoluir, o cinema também não estagna; pelo contrário, adapta-se aos novos tempos, seja por uma necessidade artística ou para evitar o fracasso em bilheterias. Esse movimento foi claramente percebido quando o Oscar de 2017 trouxe ao centro das atenções “Moonlight — Sob a Luz do Luar” (2016), de Barry Jenkins.
Desafiando uma série de expectativas e normas da indústria, a Academia reconheceu a beleza e a relevância social de uma narrativa sobre personagens negros, pobres e marginalizados, que lutavam para entender um amor que, aos próprios olhos, parecia inalcançável. A trama, permeada de encontros e desencontros, revelava uma carga emocional inegável, confrontando Hollywood com a necessidade de abordar temas até então ignorados. O reconhecimento foi claro: “Moonlight” levou três Oscars, incluindo o de Melhor Filme.
Comparado a essa narrativa intensa, “Me Chame Pelo Seu Nome”, do diretor italiano Luca Guadagnino, parece uma versão mais leve e refinada da obra de Jenkins, embora compartilhe o mesmo tema central de descoberta da própria sexualidade. Baseado na obra de André Aciman, o filme conduz o espectador a um verão ensolarado no norte da Itália, um cenário distante das complexas disparidades sociais vistas nos Estados Unidos. Em vez disso, é uma região de tranquilidade e beleza, sem os desafios sociais evidentes que permeiam “Moonlight”. Enquanto Jenkins lida com questões profundamente enraizadas de identidade, pobreza e marginalização, Guadagnino foca em uma abordagem mais sutil e contemplativa, onde as barreiras são mais pessoais e existenciais do que sociais.
A trama de “Me Chame Pelo Seu Nome” gira em torno do jovem Elio, que, em suas férias de verão, vê-se intrigado pela figura sedutora de Oliver, um estudante convidado por seu pai, o professor Perlman, para colaborar em uma pesquisa. Elio, desde o primeiro contato com Oliver, experimenta uma série de sentimentos e impulsos que até então desconhecia. O fascínio por Oliver parece sugerir que Elio sempre teve um lado oculto de sua sexualidade, que agora vem à tona diante dessa presença magnética. A narrativa explora essa descoberta com um toque de sensualidade e introspecção, sem se prender a rótulos, deixando espaço para o espectador interpretar o amadurecimento de Elio como algo natural e inerente ao seu processo de crescimento.
O filme enfrenta, porém, algumas controvérsias. Parte do público questiona o relacionamento entre Elio, ainda menor de idade, e o mais experiente Oliver. No entanto, o roteiro de James Ivory não perde tempo com julgamentos, apresentando Perlman como um pai atento e compreensivo, já ciente da orientação do filho. Em vez de intervir, ele observa a relação entre os dois, permitindo que Elio encontre seu próprio caminho. A chegada de Oliver parece ter sido o que faltava para Perlman consolidar suas suspeitas e aceitar a visão de mundo do filho. Em última análise, Oliver não destrói a estrutura familiar, mas a transforma de maneira sutil, dando um toque de autenticidade à dinâmica dos Perlman.
A ambientação temporal da história, situada em 1983, parece quase irrelevante no contexto da família de Elio, que vive em um ambiente onde a liberdade é valorizada em sua forma mais pura e sofisticada. Não se trata de um drama gay ou um rótulo qualquer; a história é um retrato de amadurecimento que transcende categorizações. A narrativa, por vezes lenta, é, na verdade, uma celebração da beleza e dos detalhes da vida, ambientada em uma paisagem que complementa o enredo e captura a atenção do espectador.
Ivory, em sua adaptação, insere sutis referências à cultura da Grécia Antiga, onde relações entre homens eram valorizadas e vistas com respeito, traçando um paralelo sutil com a relação entre Oliver e Elio. Em um universo diferente, o professor Perlman poderia ter interpretado a atração entre os dois como um abuso de confiança; no entanto, o roteiro ignora completamente essa perspectiva e segue com uma abordagem de aceitação e compreensão. Ivory, com 89 anos, tornou-se o roteirista mais velho a ganhar um Oscar, e sua escolha de ambientar a história nos anos 80 serve como um tributo a uma época que precedeu as profundas mudanças da década seguinte, marcada pela epidemia de AIDS e por transformações sociopolíticas significativas.
Em “Me Chame Pelo Seu Nome”, todos os personagens seguem em frente. A relação entre Elio e Oliver não culmina em um compromisso duradouro, mas deixa marcas profundas em ambos. Esse desfecho lembra um tempo que, embora não tão distante, parece ter desaparecido, deixando uma reflexão sobre o que a vida poderia ter sido ou o que poderia ter oferecido em um cenário de maior liberdade.
Filme: Me Chame Pelo seu Nome
Direção: Luca Guadagnino
Ano: 2017
Gênero: Romance/Drama
Nota: 9/10