Recordista de bilheteria e premiadíssimo, o melhor filme de ação dos últimos 12 meses está na Netflix Divulgação / Warner Bros.

Recordista de bilheteria e premiadíssimo, o melhor filme de ação dos últimos 12 meses está na Netflix

O cinema de Taiwan continua a se destacar de forma impressionante no cenário internacional, especialmente por conta da criatividade desenfreada de seus diretores. A tendência de misturar uma ampla gama de temas dentro de um único filme parece ganhar força, resultando em obras que não apenas surpreendem pela complexidade narrativa, mas também pela sofisticação visual. Em cada longa, diversos personagens se entrelaçam em histórias frenéticas que, por mais que pareçam incontroláveis, encontram seu desfecho de maneira natural, muitas vezes acompanhadas de uma reviravolta inesperada, porém sempre envolvente. A experiência do espectador é cuidadosamente respeitada, como se fosse imperdoável subestimar sua capacidade de compreender e se conectar com o enredo.

O filme “Os Três Males”, dirigido por Wong Ching-po, é um exemplo claro dessa habilidade de combinar temas aparentemente díspares. Wong mescla gangues e elementos messiânicos – tópicos profundamente arraigados na cultura asiática — e, surpreendentemente, faz com que funcionem em harmonia. Inspirado em uma antiga fábula chinesa do século V, “O Porco, a Cobra e o Pombo”, o filme utiliza essa narrativa tradicional para ilustrar a esperteza e a traição. A sensualidade da cobra hipnotiza o pássaro, que se deixa enredar em uma trama de enganos, enquanto o vaidoso porco é vítima de sua própria soberba, assim como o protagonista, que, tal qual a cobra, segue fiel à sua natureza venenosa até o final.

O crescente impacto do cinema asiático em Hollywood não pode ser ignorado. Desde o sucesso de “O Segredo de Brokeback Mountain” (2005), de Ang Lee, que narra o relacionamento complexo entre dois caubóis, até “Nomadland” (2020), de Chloé Zhao, que acompanha a jornada de uma mulher em busca de pertencimento nos Estados Unidos, diretores asiáticos têm conquistado tanto o público quanto a crítica. Ambos os cineastas receberam o reconhecimento máximo da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, levando para casa o Oscar de Melhor Diretor. Enquanto Chloé Zhao também viu seu filme consagrado como o melhor de 2020, Ang Lee se consolidou como um dos maiores nomes da indústria. Por outro lado, Wong Ching-po opta por um caminho mais tradicional, sem perder o fascínio e o vigor narrativo.

Em seu filme, Wong faz uma analogia interessante com a antiga China, mas transporta a trama para a Taiwan contemporânea, envolta nas tensões políticas e ameaças de invasão por parte de Pequim. O diretor, que também assina o roteiro, evita se enveredar por questões diplomáticas polêmicas, focando sua atenção na trajetória de Zhou Chu, um criminoso infame que, na Taipé dos tempos modernos, decide livrar sua comunidade de três notórios malfeitores. Sua luta contra dragões e tigres culmina em uma celebração no vilarejo, onde, ironicamente, sua morte é falsamente comemorada – um ponto de virada crucial que redefine seu destino.

Paralelamente, a narrativa de Chen Kui-lin, outro personagem-chave, oferece um contraste intrigante. Sofrendo de um câncer terminal no pulmão, o anti-herói vivido por Ethan Juan embarca em uma jornada desesperada pelos confins de Taiwan, em busca de dois criminosos que o governo considera mais perigosos do que ele. O encontro com Lin Lu-ho, um falso profeta interpretado magistralmente por Yi-Wen Chen, líder de uma seita neoapocalíptica, é um dos pontos altos do filme. Embora o ritmo do longa seja deliberadamente arrastado em alguns momentos, essa escolha estilística nunca parece desnecessária, com cada cena contribuindo para a construção de uma atmosfera densa e envolvente que mantém o espectador cativado até o desfecho final.

Assim, “Os Três Males” não só explora as profundezas da cultura e dos mitos asiáticos, como também demonstra o domínio técnico e criativo de Wong Ching-po em tecer narrativas complexas com uma abordagem visual arrojada. A fusão de temas tradicionais com a realidade contemporânea de Taiwan resulta em uma obra que não apenas entretém, mas também convida à reflexão sobre questões universais, como a redenção e o impacto das escolhas individuais no destino coletivo.


Filme: Os Três Males
Direção: Wong Ching-po 
Ano: 2023
Gêneros: Drama/Ação 
Nota: 9/10