Filme brasileiro que estreou esta semana quebra recordes e atinge o top 1 mundial da Netflix

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A violência no Brasil sempre manteve uma complexa rede de conexões entre criminosos e autoridades policiais. Desde os primeiros sinais de corrupção, cenas perturbadoras começaram a emergir, como agentes da lei envolvidos em negociações sobre a divisão do lucro proveniente de cargas de drogas apreendidas, ou mesmo oferecendo suporte a líderes do crime organizado em busca de uma aposentadoria que a carreira pública não pode proporcionar. Esses eventos se tornaram comuns, e a corrupção se espalhou incontrolavelmente, minando a integridade dos acordos entre criminosos e policiais e forçando a reconfiguração constante do sistema.

Nesse contexto, surgiram líderes cujo poder corruptor se estendeu para suas famílias e associados. João Wainer explora essas dinâmicas em “Bandida — A Número Um”, uma tentativa de retratar a trajetória singular do narcotráfico carioca a partir da vida de alguém profundamente inserido nesse meio. Com a colaboração de Patrícia Andrade e Cesar Gananian, Wainer adapta “A Número Um” (2015), o romance autobiográfico da pedagoga Raquel de Oliveira, para evidenciar os aspectos mais peculiares da vida de uma jovem abandonada e esquecida, filha de uma mãe que precisou abdicá-la para garantir sua própria sobrevivência. Essa história revela paradoxos profundos na vida de Oliveira, a protagonista que oscila entre a luta constante pela autoafirmação e uma euforia patológica derivada das sombras do crime, sempre protegida por uma identidade alternativa.

A mãe de Rebeca trabalha em um apartamento na Avenida Atlântica e, a cada duas semanas, elas retornam para a Rocinha, a maior favela da América Latina, onde residem em um pequeno barraco no alto do morro. Em uma dessas visitas, Rebeca, com apenas nove anos, acaba sozinha por um período mais longo do que o aceitável, e sua avó, envolvida com o jogo do bicho e endividada, entrega a menina em troca de perdão de uma dívida e alguns trocados. Esta sequência inicial do enredo oferece uma visão das dificuldades que virão a seguir, com Rebeca cada vez mais isolada e dependendo da perigosa ajuda de estranhos. Ela é enviada para o barraco de Amoroso, um notório traficante da Rocinha, e a partir daí inicia-se uma descida ao inferno de uma vida marcada pela exclusão, a fúria e a luta pela sobrevivência. Wainer mergulha nas múltiplas camadas deste caos onipresente, decifrando os códigos ocultos em cada aspecto do cenário.

O ambiente degradado do prostíbulo de Amoroso, o chefe do tráfico, dá lugar a uma cena em que uma mãe de santo tenta proteger a jovem da predatória sanha do bandido, embora a relação entre eles persista até o trágico desfecho de um deles. Com atuações complementares e distintas, Milhem Cortaz e Maria Bomani revelam aspectos quase ocultos das personalidades de Amoroso e Rebeca, ambos marcados pelo mesmo destino sombrio. O elenco de apoio, incluindo Jean Amorim como Pará, com quem a anti-heroína tem um tumultuado relacionamento, e Jorge Hissa como Cara Murcha, enriquece a narrativa. Contudo, alguns papéis, como o de Natália Lage como Joana, braço direito de Amoroso, não conseguem brilhar, ofuscando a excelência de uma produção nacional que, apesar de repetir o clichê da estética da pobreza e do atraso civilizatório, o faz de uma maneira original e envolvente.


Filme: Bandida — A Número Um
Direção: João Wainer
Ano: 2024
Gêneros: Drama/Thriller 
Nota: 8/10