O filme mais bonito e melancólico da Netflix: vai mexer com suas emoções e tocar sua alma como nenhum outro Divulgação / Netflix

O filme mais bonito e melancólico da Netflix: vai mexer com suas emoções e tocar sua alma como nenhum outro

“Meu Nome é Chihiro” parece, à primeira vista, prestar uma homenagem à icônica personagem de Hayao Miyazaki, protagonista do aclamado “A Viagem de Chihiro” (2001), vencedor do Oscar de Melhor Animação. E, de fato, essa suposição não é infundada. Tanto a heroína do filme de Miyazaki quanto a protagonista do longa de Rikiya Imaizumi compartilham características notáveis: são independentes, corajosas e parecem preferir o movimento constante à passividade, recusando-se a ser meras espectadoras de suas vidas. Entretanto, enquanto Chihiro, no filme de 2001, lida com forças mágicas e desafios de outro mundo, a Chihiro de Imaizumi é uma mulher comum, sem glamour ou drama exagerado. Ela carrega consigo um passado que não nega, mas também não a define, navegando entre as dificuldades cotidianas com uma serenidade que revela, ainda assim, uma profunda complexidade emocional.

A despeito das semelhanças entre as duas Chihiros, há distinções claras que as separam. A provocação interessante de Imaizumi está em criar uma protagonista que foi uma prostituta, mas que não busca redenção ou ajuste de contas com seu passado. Diferente da abordagem moralista muitas vezes vista no cinema, Chihiro não se prende ao que já viveu; ela aceitou sua trajetória e segue em frente, sem traumas aparentes, encontrando equilíbrio e renovação em seu cotidiano. Ela, como muitos ao seu redor, enfrenta as adversidades de maneira pragmática, sem se deixar abater pelas circunstâncias. A resistência silenciosa e a tolerância que a rodeia, apesar dos desafios, conferem ao filme uma sensação de autenticidade e delicadeza, sem recorrer a exageros dramáticos.

No desenvolvimento do roteiro, coescrito por Imaizumi e Kaori Sawai, adaptado do mangá de Hiroyuki Yasuda, há uma pequena incerteza quanto ao verdadeiro nome da protagonista, brilhantemente interpretada por Kasumi Arimura. Não é surpresa que essa ambiguidade se reflita em quem ela é agora, considerando o contexto da vida que levava anteriormente. Embora Chihiro ainda seja chamada pelo nome que usava em seu trabalho anterior, ela não é mais a mulher que vivia de forma tão limitada. Agora, longe da casa de massagem onde trabalhava sob o olhar protetor de Utsumi (interpretado por Lily Franky), a quem vê como uma figura paterna, Chihiro explora uma nova vida. Ela mora em um bairro tranquilo, onde passa o tempo conversando com uma gata de rua solitária, sua alma gêmea felina, e trabalha em um restaurante de bentôs, sob a liderança de Tae, sua bondosa patroa, vivida por Jun Fubuki. O filme, com sua narrativa linear e sem grandes reviravoltas, pode não agradar aos que esperam os tradicionais sobressaltos das histórias em quadrinhos japonesas. No entanto, essa simplicidade é, na verdade, um dos pontos fortes da obra de Imaizumi, que aposta em uma abordagem mais realista e menos fantasiosa do que “A Viagem de Chihiro”.

Enquanto o filme de Miyazaki transporta o espectador para um mundo de sonhos, onde a realidade parece suspensa, “Meu Nome é Chihiro” nos traz de volta ao cotidiano, com suas pequenas alegrias e inevitáveis desafios. Imaizumi nos convida a olhar para a vida comum de uma mulher comum, mas que, ao revelar sua complexidade, nos lembra que mesmo as histórias mais simples podem ser profundamente significativas. Esse é o mérito do diretor: transformar o que poderia ser visto como superficial em algo extraordinário.

Há um ditado popular que diz que, mesmo ao sair de uma determinada situação, sempre levamos conosco uma marca, um traço que nos liga ao passado. Para Chihiro, essa marca não é uma cicatriz aberta, mas uma lembrança que a molda, sem, contudo, aprisioná-la. Diferente dos estereótipos frequentemente associados a personagens com histórias de prostituição, Chihiro não está à mercê de suas antigas escolhas. Sua vida agora é marcada por amizades que, à primeira vista, parecem inocentes, mas que revelam nuances mais profundas e, por vezes, dolorosas. A amizade com Mestre, um sem-teto interpretado por Keiichi Suzuki, com uma performance que remete ao melhor de Charles Chaplin, e com Basil, uma antiga colega de trabalho, vivida por Yui Sakuma, ilustram como Chihiro busca, de maneira quase compulsiva, formar laços. A conexão com Keisuke, uma jovem rica, interpretada por Hana Toyoshima, também sugere que Chihiro encontra em suas relações uma forma de reafirmar sua existência, como se precisasse de um círculo de amigos para legitimar sua própria identidade.

Kasumi Arimura dá vida a essa Chihiro de maneira impecável, transmitindo uma vulnerabilidade silenciosa que permeia toda a narrativa. Sua personagem é, em muitos aspectos, prisioneira de uma culpa intangível, que a faz rejeitar qualquer vislumbre de felicidade duradoura. No desfecho, sem grandes tragédias ou rupturas dramáticas, há um momento de clareza, em que percebemos que, por mais serena que Chihiro possa parecer, ela nunca se permitirá o perdão completo.

Os filmes que exploram essa melancolia típica do cinema oriental oferecem lições importantes sobre o pragmatismo da vida. Chihiro é um exemplo disso: uma mulher que, embora tenha deixado para trás uma vida difícil, carrega em si as marcas do passado. Ela sabe que errar é humano, reconhecer o erro é um dever, e a possibilidade de recomeçar sempre está ao nosso alcance. Ao fim, “Meu Nome é Chihiro” não é apenas um filme sobre uma ex-prostituta em busca de paz; é um retrato sensível de alguém que entende, com dolorosa clareza, que o caminho para a aceitação pessoal é longo e cheio de nuances.


Filme: Meu Nome é Chihiro
Direção: Rikiya Imaizumi
Ano: 2023
Gênero: Drama
Nota: 10