Baseado em best-seller que ficou 70 semanas como o mais vendido nos EUA, filme espiritualista com Octavia Spencer está na Netflix Divulgação / Netflix

Baseado em best-seller que ficou 70 semanas como o mais vendido nos EUA, filme espiritualista com Octavia Spencer está na Netflix

Yeshua, Muhammad, Siddharta Gautama, Vishnu. Deus pode assumir a forma que desejarmos, seja como um salvador, um tirano, um sábio desapegado ou um viajante solitário enfrentando a brutalidade e sordidez da existência humana, como expressou Thomas Hobbes (1588-1679) em seu famoso “Leviatã” (1651). Fé e religião são expressões de um mesmo impulso, explorando o vínculo entre o divino e a humanidade. Se seguimos a linha de pensamento de Baruch Spinoza (1632-1677), que via a presença de Deus em todas as coisas, animadas ou não, então o Criador pode se manifestar de forma paradoxal, unindo a perfeição e a fragilidade mortal em um único ser. A humanidade, no entanto, muitas vezes opta pela destruição em vez da transformação, pela devastação em detrimento da redenção. É nesse contexto que “A Cabana” se apresenta, uma obra que desafia a fé — e a paciência — de muitos. O filme dirigido por Stuart Hazeldine narra a jornada de um homem em uma encruzilhada, lidando com uma tragédia pessoal da qual se sente culpado. A narrativa oscila entre o melodrama e a introspecção, entre o sentimentalismo e a emoção genuína, acompanhada de belas paisagens e atuações intensas que arrancam lágrimas, até que, de forma abrupta, a trama perde sua força.

A adaptação de Hazeldine é baseada no romance cristão de William P. Young, lançado em 2007. O filme traz Octavia Spencer no papel de Deus, retratada de forma calorosa e tranquila, assando biscoitos em uma manhã de domingo enquanto ouve reggae no iPod. Essa figura divina, criada por Young e adaptada pelos roteiristas Destin Daniel Cretton, John Fusco e Andrew Lanham, parece alheia ao sofrimento humano, permanecendo em sua cabana enquanto, em outro ponto, uma tragédia se desenrola. Mack Phillips, um pai de família que até então vivia de maneira serena, é abalado pela morte de um de seus filhos, que se afoga enquanto a família aproveita um dia no campo. Enquanto Mack tenta resgatar o filho, sua filha mais nova, Missy, desaparece. Mais tarde, descobre-se que a menina foi sequestrada por um assassino em série que aterroriza a região há anos, sem deixar pistas. A confirmação de seu destino trágico vem logo depois.

O filme levanta questões pertinentes sobre o conceito de livre-arbítrio, cada vez mais ausente em uma sociedade que frequentemente busca desculpas para seus fracassos. No entanto, o caso de Mack é diferente. Ele não teve culpa direta pela tragédia que atingiu sua família, e é nesse ponto que “A Cabana” realmente se aprofunda. Será Deus incapaz de intervir na maldade humana ou, pior ainda, inclinado a um sadismo divino, jogando com a vida de seus filhos como o Deus vingativo do Antigo Testamento? Hazeldine e Young oferecem uma resposta ao conduzir o protagonista à cabana mencionada no título, onde ele encontra Deus, Jesus e o Espírito Santo. Ali, Mack finalmente expurga as mágoas de seu passado, incluindo o trauma de um pai alcoólatra que o espancava e que ele tentou envenenar na adolescência.

Octavia Spencer lidera a narrativa com força, ao lado de Sam Worthington, que interpreta Mack, e Avraham Aviv Alush, que dá vida a uma versão moderna de Jesus. A terceira pessoa da Trindade, o Espírito Santo, é representada por Sumire Matsubara, uma jovem asiática, reforçando a mensagem de que Deus, sendo único, pode se manifestar em múltiplas formas e etnias. No entanto, essa abordagem, apesar de nobre, chega perigosamente perto da caricatura. Em meio a isso, a participação breve, porém comovente, de Amélie Eve como Missy adiciona um toque de profundidade ao enredo, mas o filme não escapa da sensação de oportunismo, frequentemente associada a obras de autoajuda que buscam simplificar questões profundas de fé e espiritualidade.

Ainda que “A Cabana” levante discussões relevantes sobre sofrimento, culpa e redenção, o filme acaba por se perder em seu próprio excesso de sentimentalismo, deixando para trás uma trama que, embora tenha potencial, não consegue manter a força e profundidade necessárias para tratar com seriedade o delicado tema da fé em tempos de dor.


Filme: A Cabana
Direção: Stuart Hazeldine
Ano: 2017
Gêneros: Fantasia/Thriller
Nota: 7/10