Considerado um dos maiores filmes da história, a obra-prima de Alejandro González Iñárritu está na Netflix Divulgação / Paramount Pictures

Considerado um dos maiores filmes da história, a obra-prima de Alejandro González Iñárritu está na Netflix

Alejandro González Iñárritu e seu parceiro criativo, Guillermo Arriaga, embarcaram em uma trilogia que explora as complexidades da vida e as consequências do acaso. Composta por “Amores Brutos”, “21 Gramas” e “Babel”, essa série de filmes nos leva a questionar o que é verdadeiramente aleatório e o que está intrinsecamente conectado. Em “Babel”, a última e mais ambiciosa parte desse projeto, somos apresentados a três histórias interligadas que atravessam continentes e culturas, forçando os personagens a encarar o caos e as consequências de suas ações.

No centro dessa narrativa, temos personagens que lidam com tragédias que, aparentemente, são apenas obras do acaso. Richard (Brad Pitt) e Susan (Cate Blanchett), um casal de turistas americanos no Marrocos, enfrentam uma catástrofe inesperada quando uma bala, disparada acidentalmente por dois garotos pastores, atinge Susan. Ao mesmo tempo, no Japão, Chieko (Rinko Kikuchi), uma adolescente surda, luta com o luto pela morte de sua mãe e a alienação de seu pai. A conexão entre essas histórias emerge lentamente, revelando que o rifle usado pelos garotos no Marrocos foi um presente do pai de Chieko. Enquanto isso, nos Estados Unidos, a governanta mexicana do casal, Amelia (Adriana Barraza), leva os filhos deles para o México, onde uma viagem aparentemente simples se transforma em um pesadelo.

A grandeza de “Babel” está em sua tentativa de explorar a interconectividade humana em um mundo onde a globalização e o acaso parecem ditar as regras. No entanto, a ambição do filme também é sua maior armadilha. Se por um lado, a proposta de conectar eventos aparentemente aleatórios ao redor do mundo nos faz refletir sobre as consequências de nossas ações, por outro, a narrativa densa e os cortes rápidos acabam se tornando um fardo para o espectador. Iñárritu e Arriaga parecem tentar, de maneira grandiosa, forçar a ideia de que as tragédias humanas estão inextricavelmente ligadas, mas em sua execução, essa ideia pode parecer superficial e exagerada. O filme se lança em uma espiral de dor e sofrimento, apresentando uma série de desastres que se acumulam como uma cascata inevitável de infortúnios.

Mas a grande questão que emerge é: até que ponto essa exploração do acaso se torna mais um espetáculo visual do que uma reflexão profunda? Iñárritu e Arriaga nos colocam como observadores distantes, quase extraplanetários, das tragédias de seus personagens. O uso constante de uma narrativa entrecortada e global, onde cada ação gera consequências trágicas, pode fazer com que o espectador se sinta mais um observador passivo do que um participante ativo no drama humano. “Babel” nos lembra, em cada cena, que estamos todos conectados de alguma maneira, mas a insistência em mostrar o lado mais sombrio dessa conexão pode ser, para alguns, uma exploração superficial da dor humana.

Se Iñárritu tivesse optado por uma narrativa que explorasse os efeitos do acaso de forma mais equilibrada, talvez com uma dose de esperança ou alegria, ele poderia ser acusado de sentimentalismo barato, algo digno de um comercial emotivo ou de uma música de Michael Jackson. No entanto, ao transformar esses acasos em uma série de tragédias interligadas, ele espera que vejamos sua obra como uma crítica contundente à fragilidade humana. A questão é: será que a transformação da felicidade em tragédia realmente constitui arte significativa, ou apenas um exercício de estilo?

Ao final de “Babel”, somos deixados com uma sensação agridoce de impotência diante de um mundo que parece incontrolável. A narrativa que interliga Marrocos, Japão, Estados Unidos e México nos mostra que o acaso e o caos andam de mãos dadas, mas a mensagem, em si, parece mais preocupada em chocar do que em iluminar. No entanto, mesmo com suas falhas, “Babel” não deixa de ser uma obra que provoca reflexão — sobre as vidas que tocamos sem saber, sobre as consequências de nossas ações, e sobre a ilusão de controle que mantemos para sobreviver em um mundo tão caótico quanto conectado.

No fim das contas, o que nos resta é a imagem de Chieko, a jovem japonesa surda, em uma cena tocante em que ela se sente desconectada do mundo ao seu redor, incapaz de ouvir a música que faz os outros dançarem. Essa cena sintetiza a essência de “Babel”: a desconexão que sentimos, mesmo em um mundo onde tudo parece interligado. Para Iñárritu e Arriaga, a dor e o sofrimento são o elo comum que nos une, e em “Babel”, eles nos convidam a confrontar essa realidade, por mais brutal e sombria que seja.


Filme: Babel
Direção: Alejandro G. Iñárritu
Ano: 2006
Gêneros: Thriller/Drama
Nota: 9/10