Ficção científica baseada em filosofia de John Stuart Mill e Jean Paul Sartre está na Netflix Francisco Collazo / Replicas Holdings

Ficção científica baseada em filosofia de John Stuart Mill e Jean Paul Sartre está na Netflix

Filmes que exploram temas de clonagem e ressurreição, como “Cópias — De Volta à Vida”, frequentemente prestam homenagem a clássicos literários, em particular ao célebre “Frankenstein” de 1818. É difícil superar a genialidade de Mary Shelley, cuja imaginação fértil e narrativa inovadora criaram um paradigma no qual criaturas deslocadas, ressuscitadas fora de seu tempo, lutam contra a angústia e buscam a dignidade perdida. Essa obra-prima, que revisita de maneira única os mitos gregos e aborda com profundidade a condição humana, deixa um legado inescapável em qualquer discussão sobre seres renascidos.

As referências ao monstro de Shelley, uma figura emblemática que sintetiza a perturbação e os dilemas filosóficos da existência, permeiam o filme de maneira sutil. O diretor Jeffrey Nachmanoff se mostra perspicaz ao seguir o farol ético aceso pela autora há dois séculos. Ele direciona sua narrativa para as complexas questões morais que envolvem a clonagem humana, um tema que ganhou urgência palpável após a clonagem da ovelha Dolly em 1997, liderada pelo biólogo escocês Ian Wilmut. Este evento histórico marcou um avanço crucial na ciência, ampliando o debate sobre as fronteiras éticas da biotecnologia e da manipulação genética.

No entanto, o roteiro de Stephen Hamel e Chad St. John não alcança a profundidade de outras produções recentes que tratam de questões semelhantes com mais sutileza, cinismo e lirismo. “Ex_Machina — Instinto Artificial” (2015), dirigido por Alex Garland, é um exemplo notável que equilibra com maestria a tensão entre a ética e a inovação, destacando-se como um dos melhores trabalhos dentro desse subgênero. Em comparação, “Cópias — De Volta à Vida” se rende a clichês e falha em construir uma narrativa realmente cativante ou desafiadora.

A fascinação humana pelo prolongamento da vida e o terror do envelhecimento são temas universais, refletidos em narrativas antigas como a do “Gênesis”, onde Matusalém, figura bíblica, é retratado como vivendo quase um milênio. A lenda de Matusalém levanta questões sobre como seria possível tal longevidade sem os avanços da medicina moderna ou a tecnologia sofisticada que hoje permeia diversas esferas de nossa sociedade, desde a biologia até a indústria de cosméticos. Esse enigma desafia tanto a fé quanto a ciência, gerando debates que se estendem até os dias atuais.

Em “Cópias — De Volta à Vida”, William Foster, interpretado por Keanu Reeves, é o personagem central, um neurocientista de ponta nas Indústrias Bionyne, localizado em Arecibo, Porto Rico. A trama realmente ganha fôlego quando Foster, confrontado com a morte trágica de sua esposa, Mona, e dos filhos em um acidente de carro, resolve romper os limites da ética científica. Ele acredita que seus experimentos, voltados para a transferência de consciência de corpos humanos para exoesqueletos, podem evitar mortes em guerras e curar doenças como o Alzheimer. Todavia, sua visão utópica ignora os riscos e novas formas de sofrimento que inevitavelmente surgiriam com tal avanço.

Ao invés de aprofundar o luto e a culpa de Foster pela perda de sua família, Nachmanoff opta por enfatizar a sua busca por imortalidade e autossuficiência. Foster, à semelhança de figuras bíblicas, aspira a escapar da mortalidade humana, numa tentativa desesperada de desafiar a natureza e alcançar uma forma de eternidade. No entanto, essa abordagem acaba por diluir o impacto emocional que a tragédia pessoal de Foster poderia ter no desenvolvimento da trama, deixando um vazio onde deveria haver uma reflexão mais densa e complexa sobre as implicações de nossos desejos de transcendência.


Filme: Cópias — De Volta à Vida
Direção: Jeffrey Nachmanoff
Ano: 2018
Gêneros: Ficção científica/Suspense 
Nota: 7/10