Pratique o apego. Não seja descartável

Pratique o apego. Não seja descartável

Nunca se falou e escreveu tanto sobre ser feliz sozinho. Eu mesma já abordei este assunto algumas vezes e continuo acreditando que é bem melhor estar só do que mal acompanhada. Entretanto, vivemos atualmente uma “cultura do desapego” que tem colocado a pessoa na defensiva antes mesmo dela iniciar uma paquera ou uma nova amizade. Estão confundindo independência emocional com desapego.

Ser independente emocionalmente é estar bem consigo mesmo, sozinho, como unidade, pois não é preciso outra pessoa para se sentir completo. Em outras palavras, é não ser dependente da aprovação alheia para a própria felicidade nem sentir ciúmes do amigo ou do parceiro o tempo todo. Entretanto, ter independência emocional não significa abdicar da união sentimental com alguém. É possível estar com o outro — com mimos, declarações de carinho e até mesmo contato diário — sem ser dependente dele.

Desapego é o não apego, ou seja, é desligar-se de algo ou alguém. Abrir mão de objetos e bens materiais é um desprendimento sadio e demonstra evolução espiritual. Mas, ao se cultuar o desapego sentimental (“não vou demostrar a minha afeição para não parecer fraco”, “se ele não me procura, também não irei procurá-lo”, “não preciso de ninguém” e “vou demorar para responder a mensagem para deixá-lo esperando”), cria-se, desde o início de qualquer relação afetiva, laços sentimentais frágeis.

Parece que a onda agora é se esforçar cada vez menos para estar ao lado de alguém na esfera sentimental. Talvez por insegurança, ou para evitar qualquer tipo de sofrimento. Acontece que amar não é sofrer. A gente sofre depois que o amor acaba. Mas enquanto ele existe, é um sentimento tão honesto que somos capazes de respeitar a independência emocional do outro sem romper os vínculos afetivos com ele.

Após o término de uma relação que não deu certo, é normal o distanciamento, ou seja, o encerramento daquela etapa da vida. Mas quem inicia um relacionamento pensando “vou ficar na minha para não me apegar muito” já está terminando antes mesmo de começar.

Os relacionamentos superficiais são fruto dessa nova “cultura do desapego”: falta contato físico e sobra frieza emocional. A qualquer contratempo na relação, desiste-se da pessoa e parte-se para outra. Troca-se de namorado como se troca de roupa. Evita-se a amizade. Criam-se relacionamentos descartáveis. Pessoas descartáveis. Sorrisos descartáveis. Gente descrente. Zack Magiezi resume, em outras palavras, essa falta de ligação com o outro: “No século 21, só os corajosos sabem dizer: preciso de você”.

Está sobrando gente desapegada e está faltando abraço apertado, beijo molhado e carinho no peito. Tem muito grito de individualismo (ou seja, de independência egoísta) para pouco silêncio compartilhado. As pessoas se comunicam via cosmos com suas parafernálias tecnológicas e se esquecem da simplicidade do olho no olho.

É natural desapegar-se do que não te faz bem ou daquilo que te traz infelicidade, mas não é saudável levar uma vida desapegada das pessoas. Os desapegados renunciam aos seus sentimentos. Eles até podem ser felizes sozinhos, mas nunca aprenderão como é bom estar junto de outra pessoa.

Rebeca Bedone

é médica.