A América Latina é uma região diferenciada do mundo — quanto à história da construção de sua identidade. As instabilidades políticas, aliadas à insuficiência de recursos, muito contribuiu para a eclosão de movimentos típicos da alma latino-americana: ditaduras, guerras, guerrilhas, repressões, exílios e exportação de refugiados são fatos próprios de nossa história. Uma história de solidão, como bem definiu um de seus maiores intérpretes. Na visão desse intérprete, isso se deve a um nó que evidencia “a insuficiência dos recursos convencionais para tornar nossa vida acreditável”.
Esse mesmo intérprete delineou, com a inteligência que lhe é peculiar, o perfil inerente ao continente latino-americano. Continente que revela o muito que tem de demente, mesmo após a libertação do império espanhol, que por anos dominou a maioria dos países latino-americanos. Transcrevamos parte de um discurso desse intelectual, quando do recebimento da maior honraria que um homem de letras pode receber neste mundo: o Prêmio Nobel de Literatura.
“O general Antonio López de Santana, que foi três vezes ditador do México, mandou enterrar com funerais magníficos a perna direita que perdeu na chamada Guerra dos Bolos. O general García Moreno governou o Equador durante dezesseis anos como monarca absoluto, e seu cadáver foi velado com seu uniforme de gala e sua couraça de condecorações, sentado na poltrona presidencial. O general Maximiliano Hernández Martínez, o déspota teósofo de El Salvador que fez exterminar numa matança bárbara 30 mil camponeses, tinha inventado um pêndulo para averiguar se os alimentos estavam envenenados, e mandou cobrir de papel vermelho a iluminação pública para combater uma epidemia de escarlatina.”
Se quisermos trazer esse espírito da América Latina para bem junto de nós, basta observar o que foram o culto à personalidade do chavismo, as ditaduras militares da Argentina e do Chile — e, lógico, o Brasil pós-1964.
Nosso reconhecido intérprete aponta números, no seu discurso de premiação, que espantam quando o assunto é a repressão no Continente. Os dados são estarrecedores. Cinco guerras e dezessete golpes de Estado, 120 mil desaparecidos, morte de 20 milhões de crianças antes de completar dois anos, “mais que todas as crianças que nasceram na Europa ocidental desde 1970”.
O quadro não se altera se o assunto for o número de exilados e refugiados que a região exporta mundo afora. Um milhão de pessoas do Chile, um em cada cinco uruguaios sofrem a dor do exílio. E mais: a cada 20 minutos, El Salvador produz um refugiado. Enfim, todas essas adversidades representam mais que a população da Noruega. Sim, de fato nosso principal intérprete mostrou que conhece profundamente a alma da América Latina. Demonstrou isso não só naquele memorável discurso de sua premiação, mas, sobretudo, pelas obras-primas que produziu para a humanidade ao longo de sua produtiva vida dedicada à literatura.
A solidão latino-americana se torna mais visível ainda se o assunto for a economia da região. Somos condenados àquilo que a Comissão Para o Desenvolvimento da América Latina (Cepal) dicotomiza entre centro e periferia, que nos condena a eternas trocas desiguais. Numa primeira fase de nossa história, a exportação de matérias-primas e importação de produtos industrializados; numa segunda fase, em tempos de globalização, nossa recente industrialização nos tornou dependentes numa nova e prisioneira subordinação corporificada pela dependência tecnológica. Ou seja, a inovação tecnológica produzida nos centros mais dinâmicos tornou nossas indústrias suas prisioneiras.
Construir a história latino-americana tão repleta de guerras e solidão a partir da árvore genealógica de uma família, que na realidade é a sua. Fazer isso articulando gerações e gerações sem perder o fio da meada não é tarefa para qualquer um. Transportar o leitor para o mundo de solidão dos personagens tão apegados a guerras inúteis, à solidão e magia inerente a sociedades lentas e subdesenvolvidas, léguas distante da modernidade, sem citar explicitamente aonde quer chegar, mas levando leitores mais experientes a intuírem a mensagem do escritor não é tarefa para um autor comum. Enfim, elaborar tudo isso num ambiente narrativo repleto de imaginação, recorrendo à fantasia para revelar a realidade, é o que fez desse escritor um mestre num estilo que conhecemos como realismo mágico. É o que conhecemos como arte. Arte por meio da escrita é o que construiu o colombiano Gabriel García Márquez na obra definitiva, que certamente muito contribuiu para que a ele fosse merecidamente concedido o Prêmio Nobel de Literatura, de 1982.
A obra de que falo é considerada a mais importante escrita em língua hispânica depois de “Dom Quixote”, do espanhol Miguel de Cervantes. Falo de Cem Anos de Solidão, um sucesso absoluto com mais de 50 milhões de exemplares vendidos. Um clássico da literatura mundial. É dela que falaremos a seguir, depois de apresentar o autor — se é que ele ainda precise de apresentação.
Escritor, jornalista, editor e ativista político, Gabriel García Márquez nasceu no dia 6 de março de 1927, em Aracataca, Colômbia. Com a mudança dos pais para Barranquilla, conviveu intensamente com os avós maternos, que o criaram em sua primeira infância, e de quem recebeu intensa influência. Do avô, um veterano da Guerra dos Mil Dias, escutou histórias que muito influenciaram suas obras literárias. Estudou Direito e Ciências Políticas na Universidade Nacional da Colômbia, mas não chegou a se graduar.
García Márquez leu e viajou por muitas partes do mundo. Os autores que mais o influenciaram foram o tcheco Franz Kafka, o mexicano Juan Rulfo e o norte-americano William Faulkner. Foi-lhe concedido o Prêmio Nobel de Literatura pelo conjunto de sua obra. “Cem Anos de Solidão” é considerado o romance introdutor de um estilo literário: o realismo mágico. Como ativista político, García Márquez se tornou um respeitado interlocutor de governos latino-americanos. Dentre seus amigos, destacam-se Fidel Castro, de Cuba, e o ex-presidente francês François Mitterrand.
A solidão da América Latina
Uma família, um povoado, o passar do tempo e a imaginação de um escritor de talento foi suficiente para nascer o romance que mais identifica a América Latina consigo mesma. E aqui vai logo uma dica: a família Buendía e sua extensa genealogia publicada na primeira página de “Cem Anos de Solidão” é um guia fundamental para que o leitor entenda o que uma narrativa fluente, constituída de longos períodos, quer dizer. Aconselho a todos a segui-la.
“Minha família é mais importante que meus livros”, assim disse recentemente Gabo (conhecido por esse apelido entre os mais íntimos) na senectude de sua vida. Os Buendía e o povoado, Macondo, fizeram parte da infância desse colombiano, vivenciada ao lado dos avós. Macondo muito se assemelha com sua cidade natal, Aracataca. Os Buendía têm muito a ver com os Márquez. Tudo isso, acrescido de coisas imaginárias, como aquelas ditas por Gabo no pronunciamento quando recebera o Prêmio Nobel, em Estocolmo, na Suécia. Coisas que o tornaram o mestre de um estilo que mundialmente o consagrou: o realismo mágico. “Porcos com o umbigo no lombo, e uns pássaros sem patas cujas fêmeas usavam as costas dos machos para chocar […] cabeça e orelhas de mula, corpo de camelo, patas de cervo e relincho de cavalo.” É bem verdade que o homenageado se referia a impressões de um navegante florentino sobre a América meridional, Antonio Pigafetta, por ocasião de sua primeira viagem ao redor do mundo. Mas também é verdade que coisas muito parecidas com essas foram contadas por seus avós. E elas rechearam a imaginação de García Márquez e se fizeram presentes no retrato da genealogia da família Buendía, que se confunde com a história da América Latina, história tão repleta de revoluções, golpes e, lógico, muita solidão. Solidão característica que conhecemos como subdesenvolvimento. A grandeza da literatura de García Márquez se revela exatamente neste ponto: utilizar seu micromundo para construir uma obra verdadeiramente universal, contada por meio de coisas surreais.
A impossibilidade de espaço nos impede de contar toda a história do século de solidão vivenciado pelos Buendía, geração após geração. Mas não nos impede de abordar o espírito que permeia seus personagens principais. Falemos um pouco deles, pois são importantes para o entendimento do todo do romance, que se alicerça em torno da genealogia da família.
Vinte e seis meses de travessia da serra em busca de uma saída para o mar resultaram num esforço que deu em nada. Para não fazer o caminho de volta, José Arcádio Buendía fundou o povoado de Macondo. E assim nasceu “a aldeia mais arrumada e laboriosa que qualquer outra que seus habitantes tivessem conhecido. Era de verdade uma aldeia feliz, onde ninguém tinha mais de trinta anos e onde ninguém tinha morrido”.
José Arcádio, casado com sua prima Úrsula, teve nela a companheira que deu suporte àquele espírito empreendedor do marido. “A diligência de Úrsula andava passo a passo com a de seu marido. Ativa, miúda, severa, aquela mulher de nervos inquebrantáveis” foi ela a única a sobreviver e acompanhar as seis gerações que englobam o século da árvore genealógica da família Buendía. Acompanhou Úrsula o nascimento de filhos, netos, bisnetos, tataranetos em torno de algo comum que os identificava: a solidão.
Todos os descendentes da família Buendía eram solitários, inclusive uma pessoa que não fazia parte da família, mas era próximo de José Arcádio, numa identificação que os unia pelo gosto que ambos tinham pelo poder da magia e da ciência. Falo do cigano Melquíades, que era dotado de poderes mágicos, inclusive o de adivinhar o futuro. “A ciência elimina distâncias […] daqui a pouco o homem vai poder ver o que acontece em qualquer lugar da terra sem sair de casa.”
O cigano Melquíades carregava consigo uma previsão sobre a família Buendía, que só seria decifrada um século depois, no momento em que um membro da família conseguisse entender os pergaminhos do mago. Falaremos disso mais adiante.
A segunda geração da família gerou três filhos legítimos. Digo legítimos, porque se geraram filhos ilegítimos, originados do ventre de prostitutas ou não. E aqui fazemos um parêntese: a constância de prostitutas nos romances de García Márquez se deve à forte presença delas na vida do autor. Em suas memórias, ele confessa que frequentou muitos bordéis para espantar algo que sempre o acompanhou: a solidão.
A personagem que emerge no romance para representar o universo das prostitutas surge na segunda geração. Trata-se de Pilar Ternera, que se torna amante dos dois filhos de José Arcádio Buendía: Arcádio e o coronel Aureliano. Estes dois, e Amaranta, a outra filha, formam a tríade de solidão da segunda geração da família. Petra Cotes seria, duas gerações mais tarde, a outra prostituta a ter relações com membros da família Buendía.
A ambiência das relações extraconjugais pode ser percebida na intimidade do coronel Aureliano Buendía e sua amante: “Vim dormir com a senhora — disse ele. Estava com a roupa besuntada de lodo e vômito. Pilar Ternera, que naquela época vivia com seus dois filhos menores, não fez nenhuma pergunta. Levou-o para a cama. Limpou seu rosto com um trapo úmido, tirou sua roupa, e depois despiu-se por completo e baixou o mosquiteiro para que seus filhos não a vissem, caso acordassem. Tinha cansado de esperar pelo homem que ficou, pelos homens que se foram, pelos incontáveis homens que erraram o caminho de sua casa confundidos pela incerteza das cartas do baralho”.
Vale ressaltar outra passagem do romance que evidencia o quanto o mundo da prostituição teve influência na obra de García Márquez: “Vem cá, você também — disse ela [a prostituta] — São só vinte centavos. Aureliano jogou uma moeda na caixinha que a matrona tinha nas pernas e entrou no quarto sem saber para quê. A mulata adolescente, com suas tetinhas de cadela, estava nua na cama. Antes de Aureliano, naquela noite sessenta e três homens tinham passado pelo quarto”.
Todos os personagens do romance padecem da solidão, não só pelo isolamento de Macondo, mas, sobretudo, pelo próprio estado de espírito que caracteriza o passar do tempo para a família Buendía.
É o caso de Amaranta, que, tendo “chegado à velhice com todas as suas nostalgias vivas”, morre solteira, relembrando amores por ela mesma rejeitados. Rebeca, mulher do também solitário José Arcádio (da segunda geração), é outra solitária que “tinha precisado de muitos anos de sofrimento e miséria para conquistar os privilégios da solidão”.
E assim, a solidão segue seu fluxo ante o passar das gerações da família Buendía. É o que se pode constatar em Remédios, a bela filha de Aureliano Segundo (esse, da terceira geração) e Santa Sofia de la Piedad. “Remédios, a Bela, ficou vagando pelo deserto da solidão, sem cruzes nas costas, amadurecendo em seus sonos sem pesadelos, em seus banhos intermináveis, em suas comidas em seus horários, em seus profundos e prolongados silêncios.” Meme, filha de Aureliano Segundo (da quarta geração) e Fernanda del Carpio, é outra que padece do mal da solidão: “Estava tão segura de si mesma, tão aferrada à sua solidão, que Aureliano Segundo teve a impressão que já não existia mais nenhum vínculo entre eles”.
Resumindo: a solidão é o estado de espírito que passa de geração para geração, como um rio que segue seu curso até o rumo final. No caso da família Buendía, entre arcádios e aurelianos que se envolvem em revoluções, inventos, amores na casa grande e na senzala, corrupções, a identidade da América Latina vai sendo delineada, tendo como instrumento narrativo o realismo mágico. É exatamente nesse ponto que se destaca a prodigiosa imaginação do autor que sabe como ninguém construir a realidade por meio do inverossímil. Por trás dos malabaristas de seis braços, do ancião de quase duzentos anos que havia vencido o duelo de repentes, do padre que levita 12 centímetros do chão, da mulher que come areia, dos filhos que nascem com rabo de porco, existe a história contada da solidão de um continente que se construiu de uma maneira própria.
O Dom Quixote de García Márquez
Atente para as proezas surreais do herói construído pela imaginação para delinear o perfil de seu Quixote: promoveu trinta e duas rebeliões armadas, não ganhando nenhuma delas; teve dezessete filhos com dezessete mulheres diferentes; escapou de quatorze atentados, de setenta e três emboscadas e do pelotão de fuzilamento; sobreviveu a uma tentativa de suicídio. Foi liberal até o fim, lutando contra os conservadores. Depois dessa odisseia amalucada, morreu na mais absoluta solidão, na velhice. Velhice que, para o Dom Quixote de García Márquez, nada mais era do “que um pacto honrado com a solidão”. Morrer só, “enfiando a cabeça entre os ombros, como um franguinho, e ficou imóvel com a testa apoiada no tronco da castanheira. A família não ficou sabendo até o dia seguinte, às onze da manhã, quando Santa Sofia de la Piedad foi jogar o lixo baldio dos fundos e reparou que os urubus estavam baixando”.
Este é o perfil do coronel Aureliano Buendía, um herói de causas perdidas, que tanto se assemelha com o espírito de nossa América Latina, tão cheia de revoluções, golpes e contragolpes sem sentido. Por meio do espírito quixotesco do coronel Aureliano Buendía, García Márquez revela nossa identidade, ao conectar o micromundo mágico das histórias contadas pelos seus avós com o terreno mais nobre que a literatura proporciona aos leitores: o deleite da realidade interior com a exterior. Ou seja, a conexão do espírito de nosso ser com a realidade política e econômica de um continente solitário.
Os temas políticos do romance
Que fatores mantêm a América Latina presa às amarras do subdesenvolvimento? Certamente muito desses fatores encontram suas explicações na natureza política comum aos países da região que nos condena a ser o que ainda somos: uma periferia do capitalismo mundial.
Na condição de grande intelectual compromissado com a região, García Márquez não deixa de denunciar todas essas adversidades em sua obra maior. Para isso, aponta as lutas do coronel Aureliano Buendía como resultantes do conflito entre duas ideologias políticas: a dos liberais e a dos conservadores.
Ser liberal era ser maçom, contra a igreja, favorável ao matrimônio civil, ao divórcio, ao reconhecimento de filhos legítimos e ilegítimos e contra o autoritarismo. Ser conservador é encontrar-se no espectro diametralmente oposto: é ser favorável à manutenção da ordem, apoiar a igreja e a moral familiar. O coronel Aureliano Buendía se identifica por completo com a causa liberal e luta por ela.
A perpetuação no poder, tão comum nos regimes autoritários, é outro tema que García Márquez não deixa escapar. “O governo conservador, com o apoio dos liberais, estava reformando o calendário para que cada presidente ficasse cem anos no poder.”
Além disso, os desequilíbrios gente-terra, corporificados pela reforma agrária, é outra questão abordada por García Márquez, que muito se atrela à solidão e ao subdesenvolvimento do continente. “Os latifundiários liberais, que no começo apoiavam a revolução, haviam firmado alianças secretas com os latifundiários conservadores para impedir a revisão dos títulos de propriedade.”
Outro malefício que mantém a América Latina subdesenvolvida é sem dúvida a maior praga do subdesenvolvimento: a corrupção. Esta se encontra presente no romance, na figura de Arcádio (da terceira geração), prefeito de Macondo: “Anos depois, quando o coronel Aureliano Buendía examinou os títulos de propriedade, encontrou registradas em nome de seu irmão todas as terras que se avistavam da colina de seu pátio até o horizonte, inclusive o cemitério, e que nos onze meses de seu mandato Arcádio havia carregado não apenas o dinheiro dos tributos mas também o que cobrava do povo pelo direito de enterrar seus mortos nas terras de José Arcádio [da segunda geração]”.
A Companhia Bananeira, que se instala em Macondo, simboliza a face mais visível da inserção da América Latina no capitalismo mundial: a de eterna exportadora de matéria-prima. Aos ciclos de decadência sucedem os ciclos de euforia, mantendo todo um povo preso às amarras do subdesenvolvimento. Um observador arguto como García Márquez não deixou de estar atento ao problema: “Macondo estava em ruínas. Nas imensas poças d’água das ruas restavam móveis despedaçados, esqueletos de animais cobertos de lírios colorados, últimas recordações das hordas de aventureiros que fugiram de Macondo tão atarantados como haviam chegado. As casas levantadas com tanta urgência durante a febre da banana tinham sido abandonadas. A companhia bananeira desmantelara suas instalações. Da antiga cidade cercada só restavam os escombros”.
Uma estirpe condenada
O fecho de “Cem Anos de Solidão” se dá no momento em que os pergaminhos do cigano Melquíades são decifrados pelo filho bastardo de Meme (da quinta geração) com Maurício Babilônia: Aureliano Babilônia (da sexta geração). Neles, estava prevista uma maldição para a família Buendía: a de que duas outras pessoas dessa mesma família não poderiam ter filhos juntas, pois estes nasceriam com alguma deformidade. José Arcádio Buendía e Úrsula era primos. A consanguinidade não poderia se repetir.
Aureliano Babilônia teve um filho com Meme sem saber que esta era sua tia legítima. Repetiu-se a consanguinidade, concretizando-se, assim, a previsão do cigano: o rebento, Aureliano (da sétima geração), nasceu com um rabo de porco e morreu devorado por formigas. Encerra-se assim a arvore genealógica da família, pois, como estava previsto nos pergaminhos do cigano, “era irrepetível desde sempre e para sempre, porque as estirpes condenadas a cem anos de solidão não tinham uma segunda chance sobre a terra”.
E assim García Márquez conseguiu materializar com muito suor e talento o estalo que teve na estrada da cidade do México para Acapulco, quando sentiu que estava maduro para conceber sua obra-prima. Escreveu o seu Quixote, que o colocou no primeiro time dos maiores escritores do século 20. Um escritor reconhecido por todos — inclusive pela Academia Sueca, que lhe concedeu a glória de ser laureado com um Prêmio Nobel de Literatura. Gabriel García Márquez morreu em 16 de abril de 2014, mas sempre será sempre eterno.