“Mamãe, quando eu vou ter um irmãozinho?”
Foi assim que o filho de cinco anos começou a deixar seus pais em dúvida. Já era resolvido que o casal teria um único filho. Já estavam realizados como pai e mãe, e, considerando as condições financeiras e o investimento na criação do filho, não cabia mais uma criança naquele momento.
Então o menino começou a demonstrar seu desejo de ter um irmão, aquele com quem jogaria futebol, se fosse menino, ou ensinaria tudo o que sabia, se fosse menina. De repente, o que era certo como um plano traçado naquela família se desfez com a imaginação pura e inocente de uma criança.
Tem um poema de Manoel de Barros que traz uma saudade danada dos nossos irmãos. A história contada em “A menina avoada” é sobre uma garotinha que brinca com seu irmão mais velho no quintal da casa deles. Uma aventura simples entre irmãos, que nasce da fantasia de viajar em um caixote cujas rodas são duas latas de goiabada.
É por tantas brincadeiras e brigas e segredos que, quando pensamos em nossos irmãos, mantemos nossa criança viva dentro da gente. Quando estou junto da menina que fui, meus irmãos também chegam. Porque foi com eles que eu aprendi a compartilhar medos e sonhos, brinquedos e presentes. A infância com irmãos é o lugar onde existe o mundo em que tudo é possível.
O seu irmão não é necessariamente o seu único confidente. Tem coisas que é mais fácil desabafar com alguém que não seja da sua família, ou com aquela pessoa que seja mais parecida contigo. Porque, em algumas questões, somos e pensamos diferente dos nossos irmãos.
Mesmo assim, o irmão continua sendo a pessoa com quem você dividiu por muitos anos todas as noites no mesmo quarto, compartilhou os mesmos medos do trovão e do escuro, e o silêncio quando o pai estava bravo. É com o seu irmão que você abre a sua mais profunda dor, e é dele que você recebe o abraço mais sincero e acolhedor.
Alguns irmãos estão brigados, já nem se falam. Mas o sangue continua sendo o mesmo. As lembranças da infância são as mesmas, como o beijo molhado do avô na bochecha e o bolo de chocolate da mãe, como a disputa de quem iria se sentar à janela do carro e as canções que aprenderam juntos. É daí que nasce o desejo de perdoar e pedir perdão e a vontade de passar uma borracha nas discussões e nos rancores. Porque a irmandade é mais forte que a discórdia e a intolerância; esse laço que os une é feito de amizade, lealdade e cumplicidade.
Ser irmão é manter em nós essa nostalgia feliz que preenche o baú de memórias da infância; que tem sabor de groselha e pão com io-iô crem, que são as pescarias de lambaris, os desenhos feitos na parede da sala e as brincadeiras de luta que quase sempre terminavam com um olho roxo.
Quando a irmãzinha do menino do início do texto nasceu, seus pais tiveram a certeza que fizeram a escolha certa. Bastava o jeito orgulhoso e os olhinhos brilhantes do menino ao segurar a bebê no colo.
Não estou dizendo que o filho único não é feliz. Acredito que seja. Inclusive, ele deve “adotar” seus irmãos num amigo próximo ou um primo querido.
E na vida que segue, entre tantos erros e acertos, os irmãos — de sangue e de coração — também envelhecem juntos. Enterram seus pais e suas dores de mãos dadas. Continuam compartilhando suas angústias e suas saudades, seus desafetos e suas conquistas. E mesmo depois que constroem suas próprias famílias, estando distantes ou ausentes um do outro, hão de permanecer dentro de cada irmão as crianças que eles foram juntos. Como meus irmãos e eu nos encontramos dentro de nós mesmos, mantendo vivo o amor que nos une.