De repente, não mais que de repente, você, que ontem abraçava um grande amigo, agora abraça as lembranças que dele levará. Não mais que de repente, entende que aquele corpo quente e inquieto morará por algum tempo em um dolorido campo destinado à saudade em seu coração, até que se transforme em doces e prazerosas memórias às quais você por vezes recorrerá em ode saudosista à vida que ainda lhe pulsa. Aquela alma se foi e deixou saudade, perguntas e você.
Você ficou. Você ficou e agora compreende que caminha para o mesmo destino. De repente, a consciência de sua existência limitada como ser humano bate feito o martelo do juízo final. E agora?
O que pensou aquele homem em seus dias terminais, ao mirar a lanterna para o caminho que percorreu? De que se orgulhou? Que arrependimentos teve? Pelo que chorou? Valeu a pena? No que pensam todas as pessoas quando sabem que estão prestes a morrer?
Cada um guarda em si um misterioso compilado de experiências, verdades, sentimentos e idiossincrasias. Somos únicos e certamente nos banhamos em águas singulares ao longo da vida. No entanto, um cordão umbilical nos liga por duas certezas: a morte e as escolhas. Talvez seja esse o motivo pelo qual os pensamentos finais encontrem pontos assustadoramente comuns.
Pensando nisso, alguém decidiu mergulhar no mundo dos semimortos para trazer vida aos que ainda dispõem de tempo. A enfermeira australiana Bronnie Ware passou anos dedicando-se a pacientes em estágio terminal, especificamente àqueles que ainda tinham entre três e doze semanas de vida, e decidiu compartilhar sua experiência com o resto do mundo. O resultado foi um livro intitulado, em tradução livre, “Os Cinco Maiores Arrependimentos dos que Estão Morrendo”, cujo título já denuncia o conteúdo imorredouro. A breve lista se resume a: 1. “Eu queria ter vivido a vida que desejava, não aquela que os outros esperavam de mim”; 2. “Eu queria não ter trabalhado tanto”; 3. “Eu queria ter tido coragem de expressar os meus sentimentos”; 4. “Eu queria ter estado mais perto dos meus amigos”; 5. “Eu queria ter me feito mais feliz.”
Cinco constatações que convergem para o mesmo ponto. No fim das contas, todos os arrependimentos narram a dor de não se permitir.
É estranho isso. Por alguma razão, acreditamos que a melhor vida a ser vivida vem de fora. Dinheiro, trabalho, reconhecimento, equilíbrio, cultura, casa com cerca branca, filhos exemplares moldados para o sucesso. Família, propriedade e tradição. Errado? Claro que não. Mas será que essa fórmula social serve para todos nós?
Nosso peito é preenchido por um coração e comunicador, que se infalivelmente se manifesta quando algo está fora do lugar. “Eu queria ter me feito mais feliz” é a sentença do autossacrifício contínuo, da vida abafada, do grito repreendido, do “basta” engolido, do “viva” reprimido, do “não” jamais dito e do “sim” sufocado. Os cinco maiores arrependimentos são frutos de um olhar para dentro feito no tardar da hora, quando já não era mais possível se permitir.
Compreender a própria alma exige tempo, disposição e, acima de tudo, aceitação. Talvez aceitar-se seja o primeiro passo para uma vida que, entre acertos e tropeços, termine acalentada pela certeza da plenitude. Quando perguntada sobre a maior lição de vida aprendida com os que estão à beira da morte, a enfermeira disse apenas: “Viva uma vida boa e amável, mas sempre sendo forte e permanecendo fiel ao seu próprio coração acima de tudo. Sua vida é sua própria escolha. Sua felicidade é sua própria escolha. E no final da sua vida, quando olhar para trás, isso se tornará ainda mais evidente”.
Que se possa viver a vida para morrer em paz e que, ao final de tudo, seja-se genuíno, bondoso e fiel. Sobretudo a si mesmo. E que, no silêncio que precede a ida, a morte possa despertar orgulho pelo incrível legado que se deixou, como diria Chico Anysio, “eu não tenho medo de morrer, tenho pena”.