O que mais dói não é o que acabou. Mas a saudade do que poderia ter sido e não foi

O que mais dói não é o que acabou. Mas a saudade do que poderia ter sido e não foi

Mudar de casa começa antes da mudança em si. Começamos nossa jornada quando retiramos lembranças guardadas do fundo do armário e da memória, e abrimos nossas caixas esquecidas. Revemos o que ainda nos serve e o que não precisamos mais. Antes de arrumarmos malas e sonhos novos, já iniciamos uma peregrinação para o lugar mais difícil de chegar: dentro da gente.

Quando começamos uma nova vida, levamos o novo, mas, também, carregamos parte do velho. Tem coisas que não se desprendem da gente.

Levamos conosco a vontade de retomar velhas risadas, e de perdoar antigas discórdias. Levamos o silêncio do medo e o grito da culpa. Somos motoristas dirigindo no trânsito caótico da vida, que se distraem ao som de buzinas alheias ou nossas. São as perguntas que invadiam nossos pensamentos, ora querendo saber por que decidimos mudar, ora questionando se estamos certos do que estamos fazendo.

A verdade é que quase nunca temos certezas do que virá pela frente. Nossa maior e mais importante certeza é o desejo de sermos felizes. É por isso que encaramos uma mudança quando ela se faz necessária.

Então lembramos o quanto já lutamos contra nossos próprios julgamentos. Tinha momentos, bem naqueles dias de domingo à tarde enquanto espera-se a segunda-feira chegar, que o vazio era insuportável. E, algumas vezes, era um vazio de algo que nem mesmo sabíamos o que faltava. Poderia ser a dor por aquilo que seria e não foi, ou o lamento por uma amizade esquecida e um amor perdido.

Não adiantava olhar o sucesso daquilo que já tínhamos conquistado, e como eram muitos os motivos para sermos felizes. Tem momentos na vida em que a pessoa só consegue olhar para aquilo que lhe faz falta. É como se todos os outros sonhos já realizados deixassem de ter tanta importância. Isso cria um círculo de dúvidas que, quando se está dentro dele, custa muito quebrar as barreiras para conseguir se libertar.

É quando nos encontramos com o perdão. Porque você descobre que perdoar não é somente se libertar daquela mágoa que lhe prende, mas é libertar-se de você mesmo, e dos seus conceitos muitas vezes fantasiados. É desamarrar seus medos e derramar-se para o desconhecido, e reencontrar com o passado para viver o presente. Perdoar também é descobrir que você ainda ama algumas pessoas que te amaram.

A vontade de ir embora é a calma e a paz que procuramos, mas nem sempre encontramos saudades felizes quando nos damos conta do que estamos deixando para trás. Só que, para seguirmos em frente, descobrimos que recomeçar é mais do que rever a vida guardada em cartas e fotografias. É aceitar a si mesmo descobrindo que as repostas para suas perguntas sempre estiveram perto de seus olhos internos, à espera da sua coragem de mudar.

Assim, na procura por aqueles amigos que você havia perdido, no meio de suas cartas amareladas pelo tempo e pela solidão, e na esperança de compor o seu novo poema, é que você descobre que está pronto para recomeçar.

Porque, hoje, uma metade de você é partida. E a outra metade é saudade.

Rebeca Bedone

é médica.