De um dia para o outro as coisas podem mudar. Vivemos entre o susto e a sorte. Assim como chega a morte, a felicidade vai embora. “Nada dura para sempre”, disse uma senhora desconhecida para a mulher ao seu lado na sala de espera do consultório médico. E, em seguida, contou que seu cão tinha morrido há poucos dias. A mulher, que estava lendo um livro, ficou surpresa com a abordagem tão sincera e direta de uma estranha, e percebeu que ela precisava falar. Mas o que a mulher não sabia era o quanto ela mesma precisava ouvir aquela história.
O cão viveu quase dez anos sob os cuidados de um casal amoroso, que o adotou um tempo depois de ter perdido a segunda filha. A primeira morreu afogada ainda menina, muitos anos atrás. A outra filha tinha uma doença crônica que se complicou até ela perder a vida antes de completar 30 anos. Como ficaram sem filhos, a senhora e o marido completaram o seu vazio com o amor de um cachorro fiel e companheiro. Um labrador que vivia dentro de casa, trazia alegria e paz para as horas difíceis de saudade das meninas. Mas o cão também adoeceu. Foi levado ao veterinário e fez os melhores tratamentos, porém, infelizmente, sem sucesso.
Depois de se despedirem, a mulher que ouviu a história ficou sozinha com seus pensamentos. Ela, em suas próprias lembranças e saudades e medos, sempre gostou de imaginar a esperança como uma colina em cores de amanhecer trazendo um novo dia. Mas, naquele momento, sonhar com o horizonte era como se estivesse olhando para um azul infinito e voando na contramão da vida. Faltavam palavras, sentia-se a sua caneta repousada sobre a linha vazia. Não havia nada senão uma sombra sobre ela e o tempo.
Voam-se minutos, horas, dias e, de repente, já se foi mais um fim de ano. O tempo passa tão rápido que muitas vezes nem conseguimos notá-lo. Deixamos para depois muitas coisas que podíamos fazer agora. Como perdoar alguém, escrever uma carta e pedir desculpas. Como, simplesmente, ouvir um desconhecido.
O tempo também passa inexorável às nossas dúvidas e receios. E a compreensão de que o tempo está passando nos traz o silêncio do vazio. Porque o silêncio nos fala o que não temos, ou o que perdemos.
O vazio é um poema que ainda não foi escrito. O vazio está naquela pessoa que ainda não amou alguém de verdade, ou que não conseguiu ter um filho, ou que perdeu os seus pais. Também está na pessoa que fica insegura por não encontrar algumas respostas enquanto se passam os melhores anos de sua vida. Como se os sonhos que a encorajam a declamar o alvorecer de cada dia, curiosamente, passassem a ter medo da escuridão, e da falta de inspiração.
Mas, enquanto a vida corre, é que descobrimos nossos erros e acertos, e, entre eles, aprendemos quem somos de verdade. Olhamos nosso avesso para não ficar procurando o sentido das coisas; então, aprendemos simplesmente a senti-las. Sentimos dor, amor e nossas próprias incertezas. Sentimos o peso do tempo se tornar mais leve.
Quero ser o luar da minha solitude, e a andorinha que voa em minha esperança. Para ampliar a solidão em cores e sons, quero amanhecer em mim. Manoel de Barros nos ensina a transver o mundo: “O olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê”.
É preciso reinventar a vida, apesar das dificuldades. As guerras existem e a morte está por todo lado, como um sertão de tristezas. Mas, por mais difícil que possa parecer, ‘desaprisionar’ a alma é criar um lugar só nosso para preenchê-lo de vazios. Porque, como disse o poeta, o vazio é um espaço infinito, à espera de novas possibilidades e de uma imaginação livre.
Mesmo que nada dure para sempre, a vida continua para os que ficam. E a cada passagem da vida, não somos mais os mesmos. Estamos sempre nos reinventando. Queremos ficar sós e juntos. Somos momentos de fim e recomeço. Somos o que temos e o que não temos, mas, sobretudo, somos o que damos uns para os outros.
Ilustração: Brian Scott