Sobre a ideia de que nascemos sós e morremos sós, eu me peguei refletindo sobre o que acontece entre as duas pontas do pavio, entre a vida e a morte. No meio de tantos sentimentos, momentos de alegria e tristeza, prazeres, amores, frustrações, acessos de raiva e de euforia, decepções… Eu percebi que o grande medo da humanidade é mesmo a solidão.
As pessoas têm verdadeira paúra de se sentirem sozinhas. São assombradas dia e noite só de pensar numa existência ímpar, lhes consome o pavor de olhar para o lado e enxergar um vazio físico. Não é a toa que fogem pra bem longe das noites frias e domingos chuvosos, optam por sair vagando pela rua fingindo uma completude inexistente, preferindo as más companhias, um bate papo tedioso empurrado com a barriga e alguns copos de cerveja. Tudo, qualquer coisa, menos enfrentar a solidão.
Na maioria das vezes, estar cercado de pessoas faz com que a gente se sinta ainda mais solitário. Ocupar o tempo e a mente para evitar conviver conosco é o mesmo que tentar abarrotar um buraco sem fundo que nunca será preenchido. Por que tanto pânico de estar junto da própria presença? A solidão foi, é e continuará sendo a nossa fiel companheira, a única que nos entende e que nos ajuda a compreender a nós mesmos. Não adianta resistir, contestar, correr ou se camuflar no meio da multidão. Somos seres individuais, não estamos grudados ou amarrados à ninguém. E isso, seguramente, tem um significado.
Desde a fase do ventre materno nós sempre estivemos sozinhos e nessa época desfrutávamos dos nossos primeiros momentos de singularidade. Logo a vida aqui fora nos chamava, e mesmo tão pequenos, estar a sós começava a nos causar desconforto. Enquanto o pavio da nossa existência queimava noite após noite, o medo do isolamento crescia, engatinhava, dava os seus primeiros passos. Depois de algum tempo, ela ganhou corpo e se transformou no monstro que espera para amedrontar quando estamos quietos e desprevenidos. Se fosse simples assim, bastava estar cercado de gente para que ela nunca se aproximasse…
Não se iluda. A solidão é fiel, inseparável. Eu acredito que nascemos com ela e morremos com ela, que somos cúmplices em cada segundo. Ela nos assola e nos consola. Mesmo cercados de amigos… Estamos sempre solitários com os nossos pensamentos, percepções e sentimentos. Eu acredito que por isso a solidão é tão apavorante para alguns, porque o silêncio estrondoso do vazio diz quem realmente somos, sem nenhuma máscara ou disfarce. Somos nós e as nossas angústias, pânicos, inseguranças, nossos defeitos que não assumimos nem sob tortura. Ela solta os bichos que nos comem por dentro e mostra o quanto somos egoístas, arrogantes, tolos, estúpidos, vítimas de nós mesmos. Ninguém quer ser apontado, muito menos julgado, por isso a maioria corre pra bem longe de si, e poucos são os que a encaram de frente.
Contudo, eu digo que a solidão é fascinante e absolutamente necessária. O entendimento da particularidade é o que permite absorver a nossa essência. Sozinhos conseguimos enxergar as nossas debilidades, nossos limites e loucuras. Em unidade podemos, sim, ser felizes, capazes de amar. Quem disse que não? Solidão não é sinônimo de infelicidade, de amargura, de escassez de amor. O solitário é aquele que se conhece tão bem ao ponto de preferir a própria companhia antes de qualquer outra. Para conceber o mundo lá fora é preciso entender primeiro aqui dentro. A gente se conhece no exílio para se reconhecer diante dos outros. Somos uma unidade e nos completamos assim.
Triste é a solidão do desamparo, da falta de alguém que nos ame e nos cuide. Que a melancolia e o infortúnio do abandono não se confundam com aceitação da existência como indivíduo. Porque é o nosso deserto que nos alimenta, que nos engrandece diante do mundo. É preciso estar a sós para assimilar o processo de autoconhecimento, de aprendizagem e elevação.
Eu sei que quanto mais a nossa vela queima, mais nos agarramos a outras luzes e sombras.
Nascemos sós. Morremos sós.
*Título tomado de empréstimo de Kim Culbertson.