Deixemos de coisa. O que mata mesmo é abrir mão de viver

Deixemos de coisa. O que mata mesmo é abrir mão de viver

Sim. Eu tenho o coração tomado de amor. Sou dessa gente que vai com tudo, caminha na brasa, mergulha na lava, se joga no fogo louco do encontro. Da vida, quero nada senão viver assim. Em chamas. É daí que vem todo o resto.

Comigo, essa história de pé atrás não funciona, não. O amor chega e entra com os dois pés e o que mais há em volta. Invade a casa com dez trilhões de células e meia dúzia de lembranças para dividir feito pão e vinho. Contenção no amor é desperdício, sonolência, anticlímax, chateação. Quem sente amor tem a pele fustigada por um raio, voa baixo, treme de susto.

E que o diga o casal feliz de outro tempo em suas histórias de encanto e seus quarenta anos de namoro e sonho, suas viagens pelo mundo, seu olhar de cuidado aos mais jovens: o amor é ou não é um susto, um abalo, um assombro, um sobressalto? Decerto que é. O amor é o inesperado, o carro que quebra na padaria, a água que falta, o gás que acaba. O descuido do motorista barbeiro que sai do caminho no mesmo instante em que a sorte determina poderosa: “ninguém vai se machucar aqui!”

“Ah! Mas isso não é amor, é só paixão”, dirá o ser impecável, perfeito, em sua fúria por rotular a vida e quem nela esteja. E eu respondo: que seja! A paixão é minha e eu dou a ela o nome que eu achar que devo. Inclusive amor, esse palavrão que incomoda tanto a tanta gente. Como as mães amorosas que mal acabam de engravidar e já fazem dos embriões em suas barrigas crianças correndo pela casa, e lhes bordam roupinhas e lhes imaginam caminhos e lhes fazem planos, eu sou afeito a desejar que minha paixão inflamada tenha um destino de amor tranquilo e forte, seguro e bonito. Mas que ainda assim, quando se tornar robusto, maduro, corajoso, conserve em si o frio na barriga, a saudade, o riso fácil, o jeito simples e as declarações de apreço com os olhos brilhando de ternura.

Aqui no lugar onde eu vivo, no abrigo de minha sorte de homem comum, penso se morrer e não ter amor não são mais que os dois nomes de um mesmo monstro. Para cada um, o amor vem de um jeito. E quem fecha as portas para ele abre mão de viver.

Eu quero mais é a vida, sabe? Quero mesmo! E viver é sentir amor. Sou dessa gente que ama até o fundo, ama com amplitude, profundidade, inteireza. Ama sem medo de altura. Sou pessoa que chora no meio de uma lembrança e tatua o nome do ser amado no braço, expressão simples e vontade honesta de que seja ela, sim, a criatura que vou amar para sempre.

Assumo e declaro: meu amor não tem pudor. Amo em total descaramento. Vergonha eu só tenho na cara, não no coração. E é vergonha de não ter elogiado de novo a blusa dela, a sandália alta, o brinco pequeno, o cabelo preso, a língua solta, o frango do jantar que requentamos no almoço. Fazer o quê? Uma hora eu aprendo. Com tempo e trabalho e coragem, eu aprendo a ter menos vergonha e ainda mais amor.

 

André J. Gomes

É professor e publicitário.