Desistam, sabotadores. Larguem o osso, entreguem o jogo, deixem de coisa. Retrógrados de mau caráter, canalhas, prepotentes, autoritários, pernósticos de toda sorte, desuni-vos! Não há o que fazer. Resignem-se! No mundo há muito mais pessoas boas que cretinos. Melhor é trocarem logo de lado.
Para cada existência sórdida odiando além da conta, aborrecendo pelos cantos, malquerendo a vida, um batalhão de almas amorosas afia bons sentimentos e os dispara por aí.
Enquanto os decrépitos disseminam sua raiva gratuita lá e cá, cientistas loucos de amor sonham lançar na rede pública de água um vírus que nos torne compreensivos irremediáveis, tolerantes e gentis. Cães e gatos se atrevem a desmentir a lógica perversa de seu antagonismo e se adoram sob a guarda amorosa de seus donos escolhidos. Velhos inimigos sucumbem e se dão as mãos e se abraçam comovidos. Casais se encontram e se amam sem volta, rompendo a noite em conversas profundas, leves e simples.
A todas essas, crianças assistem transparentes, sorrindo pureza, à bagunça dos cachorros no jornal do xixi. Velhos sem herdeiros doam suas fortunas, sabidos adversários se perdoam e se libertam de suas faltas, o mundo ensaia seu jeito de estar em paz.
Repensem, espíritos de porco! A esperança exercita sua musculatura carinhosa em cada olhar de afeto, abraça inflamada de sinceridade os de nós que ainda resistem destroçados por tanto ódio não declarado, tanta amargura não resolvida, tanto peso morto nas costas que carregam a vida. Entreguem-se! Viver há de ser mais que as pelejas fúteis e as disputas sem fim nem sentido.
Acreditem! A sanha de morte a que lançamos os “culpados” é a mesma que castiga o inocente. As balas disparadas contra quem odiamos se perdem e atingem em cheio aqueles que amamos. Odiar é ofício duro, perigoso, rabugento e viciado nas mesmas vítimas: nós e sempre nós.
Larguem mão, criaturas torpes. Reconsiderem sem medo. Quando a consciência dói generosa, a vida nos abre os braços para um forte e eterno abraço de festa. Larguemos as armas!
Ainda é tempo. Ainda há espaço. Ainda temos tantas chances de mudar quanto os dias e os anos que nos restam. E o que nos cabe é fazê-los acontecer e perdurar como nossas cidades da infância e seus casarões sobreviventes, suas ruas sombreadas de velhas árvores e a dignidade de seus paralelepípedos. Porque ainda há ruas de paralelepípedos, jardins antigos, professoras amorosas, pessoas que acreditam. Ainda há esperança na vida.
Em comum, de antemão, temos nada além de um sonho em cores e um futuro em branco, incerto e irresistível.
Repensemos. Ainda há tempo. Ainda estamos aqui.