Faz parte das regras de etiqueta da alta sociedade PIMBA (Pseudo-intelectuais metidos a besta) exaltar efusivamente ou criticar severamente livros que não leu, que leu apenas a orelha, leu trechos ou breves comentários na internet. O importante é posar de especialista, seja para elogiar ou criticar. Na condição de Mister M da comunidade PIMBA, revelo aqui uma dúzia de livros que, considerando a margem de erro, provavelmente aquele seu amigo descolado, reluzente em sua fina camada de verniz cultural, não leu, mas diz com todas as letras (menos as letras do livro) que sim.
“Finnegans Wake” é o Clovis Bornay dessa lista. É “hors-concours”. Praticamente ninguém leu, mas todo mundo exalta seu magnífico experimentalismo linguístico. Se seu amigo PIMBA comentar com ares de inteligência que acha “Finnegans Wake” melhor que “Ulisses” é xeque-mate. Essa é a prova de que não leu mesmo.
Sabe aquele seu conhecido comunistinha de sandália de dedo? Sim, aquele com a tatuagem do Che, que bate ponto em passeatas em geral e na marcha das vadias em particular (para ver peitinhos com consciência social!). Não, ele não leu “O Capital”. Esse é um fato inapelável da teoria materialista dialética histórica.
Quase todo mundo leu “O Caminho de Swann”. O problema é que os PIMBA de plantão costumam tomar a parte pelo todo e, convenientemente, se esquecem que existem mais seis volumes no romance catedral de Proust. O quê? Sete livros? Sete não é o número do infinito? Infinito é muita coisa para ler!
Experimente pedir para um pretenso leitor de “O Jogo da Amarelinha” que explique o livro. Provavelmente vai se confundir, tropeçar, cair de uma casa para outra, ir para frente e para trás; mas sair do inferno para o céu, nada!
A seleção natural existente nos encontros sociais de gente inteligente e descolada exige a defesa do Evolucionismo como regra básica para garantir a preservação da espécie (ou pelo menos a transa no final da noite). Do contrário o indivíduo será rotulado como o “amigo crente” e motorista da rodada.
Tem mais de meio século que só malucos (e alguns poucos pesquisadores) leem “Minha Luta”. Por que então é tão importante socialmente afirmar (mentir) que leu? Dois motivos. Primeiro para poder dizer que “li, não gostei e reprovo veementemente”. Em segundo lugar para dar a si mesmo certo ar de “bad boy” misterioso e envolvido com leituras não ortodoxas. Infelizmente, para o antinazista de Facebook, alguns milhões de pessoas tiveram a mesma ideia.
Uma viagem que vai do Inferno, passa pelo Purgatório e chega ao Paraíso. Acredite, se bem explorada, essa sinopse dura uma festa inteira. E, com sorte, no final ainda rende uma Beatriz de óculos escuros e cabelos pintados de verde.
O livro em seu conjunto é genial. Contudo, a primeira parte, a Terra, é meio monótona, mas as outras duas, o Homem e a Luta, são muito estimulantes. Quem nunca usou esse clichê atire a primeira pedra cabralina.
Uma frase célebre dessa obra é “os clássicos são livros que sempre se costuma ouvir dizer ‘estou a reler’ e nunca ‘estou a ler’”, incluindo o “Porquê Ler os Clássicos”, de Italo Calvino.
Todo PIMBA politicamente engajado tem a obrigação moral (ou social?) de afirmar categoricamente que leu todo “O Corão” e não encontrou nenhuma passagem sequer que incite a violência.
Todo PIMBA é um leitor crítico da “Bíblia”. Falam que acima de tudo é alta literatura da antiguidade, que é um importante documento histórico, que o Evangelho de João é uma sublime peça gnóstica, que o “Cântico dos Cânticos” é uma obra-prima do erotismo e por aí vai. Como mentir é pecado, vamos dar um desconto e considerar que no Ocidente Cristão a leitura completa da “Bíblia” pode mesmo ser feita por osmose.