— Parabéns, Presidente!
Pronto. Ele conseguiu. Tantos anos de trabalho o levaram ao posto mais alto de sua organização, ao topo do organograma, à tampa da panela. Ele acaba de ser escolhido para o cargo mais importante de uma invejada companhia multinacional.
— O senhor precisa de alguma coisa? — pergunta-lhe sua secretária executiva.
— Preciso, sim. Que você saia daqui e me deixe só.
A secretaria o atendeu de pronto. Fez o que a vida já havia feito antes. Ele estava só. Havia lido por aí que o poder é um exercício solitário. E daí? Ele agora é “o homem”. Podia até ser uma mulher, mas ainda assim seria “o homem”.
Ali, no fim de mais um dia cheio, soberano em seu castelo de vidro, na maior sala do último andar de um suntuoso edifício, ele viu a noite cair lá fora e se deu de presente dois minutos, não mais que isso, para se recuperar dos tantos tapas nas costas que recebera durante o dia. De repente, ele se pegou pensando na vida que o levara até ali.
Estava nessa havia quanto tempo? Vinte anos? Mais, muito mais. Quantos idiotas ele fora obrigado a aturar? Quanto preconceito foi levado a ouvir e a praticar? Quanta burrice, quanto ódio! A quantos relacionamentos interesseiros ele sobreviveu, a quantos inimigos prometeu amor eterno, quanta gente ele esqueceu por aí? Dane-se. Danem-se todos eles. Quem diria? Ele estava lá. O dono do jogo agora era ele!
A noite já era feita lá fora e o homem ali, passeando por dentro. Lembrou de seus sacrifícios todos. Suas horas sem dormir, sua sede e sua fome não atendidas. Recordou os cachorros quentes consumidos às pressas, ele nunca esqueceu o quanto é bom um cachorro quente barato. Sentiu até o gosto do molho de tomate, a salsicha saborosa, o tempero forte, a maionese. De suas certezas todas, a de que às vezes só um cachorro quente pode salvar a sua vida persistiu. Não fosse agora um rico frequentador de caros restaurantes, jantaria um senhor cachorro quente na calçada lá embaixo.
Pensou também em seus amores perdidos, trocados pela empresa, deixados para trás. A alta velocidade do mercado é tão diferente do passo a passo lento do amor que não havia jeito. Os amores ficaram para trás. Não havia tempo para isso. Tempo para conversas demoradas, cinema à tarde, declarações de amor, almoços intermináveis com a família. Não! Um alto executivo jamais almoça em vão. Não perde tempo com isso. Todas as suas namoradas sabiam muito bem.
Ele ficou ali, pensando em cada uma delas. A amiga de infância, a japonesa, a baixinha com quem foi a Cuba, a professora de russo, a amiga da baixinha com quem foi a Cuba, a negra linda, dançarina, a ruiva e seu cabelo da cor da fórmica do balcão do bar, a atriz e seus sonhos, a filha do senador e suas possibilidades. Pensou em todas elas, em sequência, até chegar àquela com quem se casou. Sem amor. Aquela de quem ele só não se separou por falta de tempo.
E agora? O que faz um sujeito no auge de sua vida profissional? Para onde mais subir? Em que investir agora? Viagens à lua, missões humanitárias na África, a solução dos problemas na Faixa de Gaza? Não, esses assuntos não interessam aos negócios de sua importante multinacional do ramo de seguros. E o caminhão de dinheiro que invadiu em cheio sua conta? Onde gastar tudo isso?
Herdeiros, não tem nenhum. Preferiu não mexer com isso. Não tivesse convencido a esposa a fazer aquele aborto, seu filho teria hoje o quê? Quinze anos? É isso. Uns quinze anos. E ele teria um punhado de problemas a mais. O peso de um filho lhe teria impedido de subir tão longe na hierarquia da corporação.
Agora, essa dinheirama sobrando lhe deu um tédio medonho. O que fazer? Quem sabe comprava uma comenda da República de Omã? Claro! Mandaria fazer uns cartões de visita novos. Antes de seu nome, a palavra “Comendador” lhe faria a distinção merecida, muito mais que o mero “Presidente” bem abaixo.
Era isso. Ele conseguiu. Chegou lá. O primeiro a chegar e o último a sair venceu na vida. Pisou o topo. Respirou o perfumado ar rarefeito a que poucos têm acesso.
Fim do expediente. O presidente estava pronto para ir. Arrumou suas coisas na pasta, desligou o computador, vestiu o paletó, olhou cada canto de sua sala com um tanto de desprezo, um tanto de carinho.
Depois ele abriu a janela, um vento selvagem lhe bateu na cara, tão diferente da brisa monótona e gelada de seu ar-condicionado, e pulou do trigésimo terceiro andar do suntuoso edifício. Lá embaixo, seu corpo se espatifou sobre uma carrocinha de cachorro quente, espalhando sangue e salsicha com molho de tomate por todo o calçadão.