Sobre aquelas coisas que a gente sabe mas faz questão de esquecer

Sobre aquelas coisas que a gente sabe mas faz questão de esquecer

Você sabe. Uma paixão não tem hora certa para acender e nem tempo exato de apagar. As crianças de colo não têm vergonha de cair no choro quando sentem tristeza, medo, dor e essas coisas que, por sua vez, não têm problema de aparecer sem avisar.

Acredite. Quando você está triste ou está feliz, o clima lá fora nada tem a ver com isso. Na praia também chove, e a chuva está nem aí para as suas vontades.

Ninguém entre nós, mesmo aqueles com uma multidão de amigos próximos e parentes e conhecidos disponíveis, tem alguém que o ouça e compreenda com perfeita clareza no instante mais miserável de sua tristeza. Então fala à toa e depois deixa sua dor doer aos poucos, em silêncio, na solidão de um cego.

Os médicos não têm explicação para os casos de pacientes desenganados que se curam de inesperado. Porque, você sabe, milagres não se explicam. A gente agradece, reza, chora. E faz de tudo para merecer a vida em toda a sua grandeza e sua potência.

As cobras não têm asas porque Deus não lhes deu. Sorte a nossa. Os coelhos, as baratas e as fofocas não têm controle de natalidade. Nascem com a volúpia, a rapidez e o exagero das descargas hormonais de um adolescente.

Quando a chuva surpreende os pedestres na rua e encharca-lhes dos pés à cabeça, ninguém nunca tem nos bolsos um par reserva de meias secas.

Os especialistas da Nasa descobriram que a Lua não tem água, comida, ar respirável e essas coisas indispensáveis à vida. Mas e daí? Nem precisa ir muito longe. Muito canto aqui na Terra mesmo também não tem.

E as pessoas muito velhas por fora que mantêm a juventude por dentro, então? Em geral, elas não têm mobilidade e energia para caminhar longas distâncias. Mas também não têm o menor problema com isso —embarcam a qualquer hora na garupa de suas lembranças, nas asas de seus sonhos e vão voando até onde quiserem.

Certeza mesmo, ninguém nunca tem. Apesar de toda a nossa empáfia, nossa pretensa segurança e nossas patéticas demonstrações de controle. A despeito de tudo isso, alma nenhuma deste mundo tem noção do que vai acontecer daqui a dois segundos. Nós apenas seguimos em frente.

Tem gente que não tem dentes, casa, dúvidas, jeito com crianças.

A viúva da casa cheia de gatos e saudades não tem ninguém além dos gatos e das saudades. Os pombos e os inadimplentes não têm crédito na praça. Os mais ricos não têm moedas para o mendigo na rua. O marido adúltero não tem explicações para a mulher traída. Pobre homem. Mal sabe que ela deve ter feito o mesmo a ele bem antes, bem feito. Os telefones celulares não têm baterias que durem um minuto a mais no instante em que você precisa. As moças bem amadas, bem seguras, bem vividas não têm medo de engravidar.

E você, você aí, você não tem de explicar a ninguém os motivos de suas vontades inesperadas, por mais estapafúrdias que elas pareçam aos outros. Porque dos sete bilhões de seres humanos que respiram no planeta, só a mais rara meia dúzia é de alguma sorte afetada pelo que você escolhe fazer da sua própria vida e, ainda assim, até certo ponto. Então, é certo que você não tem de dar satisfação nenhuma por aí exceto a dois ou três escolhidos além da sua consciência. Jamais ao mundo inteiro.

Aliás, o mundo inteiro nunca vai saber quem somos você e eu.

Sobre as guerras, então, não há dúvida: elas não têm cabimento nenhum.

E a vida, ah… a vida não tem o menor sentido se não tiver amor.

Para o resto, você sabe, sempre tem um jeito. É que a gente, sabe Deus por quê, vive fazendo questão de esquecer.

 

André J. Gomes

É professor e publicitário.