Essa felicidade que nos toma de assalto e devolve o que é nosso

Essa felicidade que nos toma de assalto e devolve o que é nosso

A vida passa e leva. É… a vida passa levando tudo. Leva embora nossos dias e nossas tardes e noites. Um a um, a vida leva nossos instantes mais altos, nossas conquistas e desgraças, nossos achados e perdidos, os melhores momentos, os piores episódios e os que ficam entre um e outro lado.

Em sua chuva violenta e interminável dos segundos que viram minutos e se tornam as horas que formam os dias, e as noites que compõem as semanas e os meses e os anos que fazem uma existência, a vida inunda as ruas que se pavimentam em cada um de nós e as arrasta em sua torrente. Aos poucos, vai levando quem somos. Passa arrastando tudo em sua enxurrada furiosa. Carrega consigo o que é bom e o que é mal.

A vida leva também nossa desordem pessoal, nossas intransigências diárias e mesquinharias. Conduz para longe em seu fluxo indomável nossos vícios e nossas virtudes. Nossas culpas e nossos medos. De nossas esperanças, a vida também leva embora quase todas. Com ela, partem ainda uma multidão de pormenores. Papéis de presente, fins de ano na praia, viagens de ônibus, primeiros encontros, convites aceitos, propostas recusadas, chamadas não atendidas.

Mas aí uma hora, lá pelas tantas do caminho, vem a felicidade, nos põe de mãos ao alto e nos devolve tudo. A felicidade nos toma de assalto e traz de volta tudo o que a vida já tinha levado.

Assim, no susto, a felicidade nos repara o que havia partido.

Ela vem na forma de um sorriso ensolarado, brilhando impetuosa, e traz de volta as primeiras esperas, os grandes acontecimentos, as alegrias históricas.

Quando chega, a felicidade nos devolve de presente a esperança, a alegria das crianças e a certeza de que viver ainda é o melhor negócio do mundo. Traz de volta um solzinho manso de tardinha, num céu descarado de tão azul, duas nuvens inofensivas aqui e ali. E um recado: em algum lugar, nesse mundo cheio de cantos, nos espera uma casa que é nossa, de corredores largos, quartos simples e uma cozinha enorme, de paredes claras amparando duas janelas abertas para o quintal, onde vivem um pé de jabuticaba, duas laranjeiras jogando flores na grama entre damas da noite, madressilvas, Espadas de São Jorge e uma horta infestada de ervas e temperos e minhocas e pedregulhos, muitos pedregulhos.

Ali, há sempre um perfume de bolo no forno, o som das crianças brincando pertinho. E a visão gostosa de nossas lembranças se construindo do chão onde tateamos o futuro em cada agora.

A felicidade chega e nos devolve tudo isso. Traz de volta o que nos fala e o que nos cala mais fundo.

Então vem, dona moça de nome Felicidade. Acolhe aos meus, aos seus e aos nossos em seu colo virtuoso e dançarino. Guarda nosso dia imenso e eterno, de tarde morna como o chá tranquilo da noite, com o sol brilhando alaranjado no fundo, distribuindo calor tranquilo para tudo o que há.

 

André J. Gomes

É professor e publicitário.