Sua atuação resume-se ao softcore televisivo: ele transa com várias mulheres, todas atrizes lindas e da mesma laia, tão vazias quanto ele. Não existe enredo, nem trama. Tudo é pretexto para ele ficar sem camisa. É o Oblómov das telenovelas. É a denúncia cabal da crise de criatividades da teledramaturgia brasileira
A televisão mundial, como grande negócio que é, vende entretenimento. No caso brasileiro, a mercadoria de maior valor mercadológico são as novelas de TV — ou telenovelas. Trata-se de produto brasileiro duplamente valioso. De um lado, monopoliza a atenção do público interno; de outro, é vendida para ser consumida também no exterior. É um cenário promissor e que funciona baseado numa lógica muito próxima à da indústria hollywoodiana. Dependendo do sucesso da história, fica-se rico e famoso da noite para o dia.
Nesse “circo televisivo”, os intérpretes (atores e atrizes) ganham destaque notável. Há os veteranos, saídos duma geração que se formou no teatro, ou fazia televisão num tempo em que a vida não era tão fácil (tempos de ditadura) e não se ganhava tanto dinheiro assim. E há os novatos. Neste último grupo, como em qualquer profissão, pode-se identificar aqueles que realmente têm competência cênica como aqueles que, desprovidos de verdadeiro talento artístico, surgem tão só para ocupar as capas das revistas de fofocas.
Pois bem. O ator Caio Castro pertence ao grupo dos novatos. Mas está distante anos-luz de qualquer habilidade interpretativa, anos-luz do que se poderia denominar “ator” — ao menos não na acepção comumente atribuída ao termo nos léxicos brasileiros: “aquele que representa em peças teatrais, televisivas, novelas, etc”. Em sua curta carreira, o jovem Caio Castro nunca representou, sempre foi ele mesmo, a encarnar sempre o mesmo papel: o playboy de cérebro oco, a preferir a esbelteza muscular de sua figura ao cultivo das virtudes da mente. O único personagem que interpreta (isto é, ele mesmo) passa metade dos capítulos da telenovela ou sem camisa ou simplesmente deitado na cama. Sua atuação resume-se ao softcore televisivo: ele transa com várias mulheres, todas atrizes lindas e da mesma laia, tão vazias quanto ele. Não existe enredo, nem trama. Tudo é pretexto para ele ficar sem camisa. É o Oblómov das telenovelas. É a denúncia cabal da crise de criatividades da teledramaturgia brasileira.
Breve biografia de uma celebridade inculta
Não é muito difícil comprovar o que ora afirmo. Qualquer pessoa que se dispusesse a sacrificar um pouco do seu precioso tempo com uma atividade tão inútil quanto redigir a biografia do jovem ator fatalmente depararia com pelo menos uma centena de episódios de fotos em baladas. São camarotes patrocinados por cervejarias no carnaval do Rio de Janeiro, micaretas em Salvador, eventos ao lado dos “reis do camarote” da noite paulistana, festas VIP nas praias de Florianópolis, e por aí vai. Tudo documentado em fotos divulgadas amplamente pelas revistas de fofoca, mantenedoras do contestável “jornalismo especializado na cobertura de celebridades”. O mesmo hipotético biógrafo, suponhamos que fosse do tipo persistente, a continuar com sua busca, também encontraria dezenas de escândalos nos quais esteve envolvido o ator. Quase sempre a envolver sua vida pessoal, que ele próprio faz questão de devassar, Caio Castro exibe namoradas, além de um sem-número de garotas “periguetes” anônimas, que ele encontra nas baladas e faz questão de ostentar como quem conquista um troféu num campeonato, para depois as jogar na lata do lixo como o papel de embrulho que acompanha um Big Mac. Além disso, o insistente biógrafo disporia para seu livro de material farto para um capítulo dedicado às redes sociais. Afinal, quando não está “atuando” na TV, isto é, nas suas raríssimas aparições públicas vestindo uma camisa, Caio Castro dedica-se à atividade instrutiva do bate-boca pelo Twitter, quando não ao exibicionismo típico dos utilizadores do programa Instagram: são fotos e fotos de autopromoção corporal — o verdadeiro homem-objeto.
Não obstante sua trajetória patética, Caio Castro é hoje o ator mais popular do Brasil. Queridinho das revistas e sites de celebridades, quase todos os dias há uma nova notícia (real ou inventada, não importa), a destacar seu nome. A praia é seu ambiente favorito. No calçadão de Copacabana, diante das fãs que se amontoam, a ir ao seu encontro, Caio dá autógrafos e troca telefones. Sua rotina de celebridade global televisiva é disciplinada como a de um atleta olímpico: Projac, praia, balada, Projac, praia, balada.
Mas o que torna Caio Castro um “ator” diferencial nesta geração de medíocres homens-objeto descamisados da TV (a mesma laia a que pertenceu Humberto Martins no passado e a que pertence hoje Marcos Pasquim) é a coragem com que manifesta suas convicções em entrevistas. Normalmente, busca-se entrevistar pessoas que têm algo a dizer. Mas no Brasil há o efeito contrário. Quem fala é justamente quem não tem conteúdo intelectual nenhum a partilhar. Isso explica o porquê de Caio Castro ser entrevistado com tanta frequência: ninguém tem tão pouco conteúdo cultural quanto ele (mesmo para quem faz as vezes de galã descamisado da TV, ele é um extremo).
Pois são essas entrevistas que permitem ao público conhecer o verdadeiro Caio Castro. Nelas, o projeto mal sucedido de ator revela sua personalidade complexa, digna de estudo psicanalítico freudiano. Já em 2011, envolveu-se em polêmica, ao declarar a uma revista (sic): “Mas vou te falar uma parada também, se você não tem fama de pegador e é solteiro, fica com fama de veado. Então, antes pegador que veado, né?” Uma visão de mundo com tamanha profundidade sociológica, quase um Boaventura de Sousa Santos em formação, já denunciava o altíssimo nível cultural do rapaz. Outro aspecto que chama atenção no seu discurso é seu vocabulário: pobríssimo, digno de alguém que, antes de ser catapultado à TV, ou nunca abriu um livro na vida ou gazeteou todas as aulas na escola primária. Caio Castro é um gênio.
Entrevista polêmica
Diante dessa biografia, da reputação que construiu em torno de seu nome, da maneira com que buscou se consolidar neste mundo medíocre de “celebridades”, fica difícil entender o motivo da polêmica recente, que sensibilizou atores e atrizes, quanto ao teor das declarações que prestou à Marília Gabriela em determinado programa de entrevista. Na oportunidade, com a sinceridade que lhe é peculiar, Caio Castro revelou não gostar de teatro. Também externou seu desprezo pela leitura, a afirmar que só lê “por obrigação”, para ficar “antenado”. Numa palavra: admitiu em rede nacional ser um inculto e iletrado.
Após a repercussão da entrevista, rapidamente, houve quem se lançasse, não sem boas razões, a criticá-lo. Apontado pela quase totalidade da crítica como péssimo exemplo do vazio cultural que cerca o mundo das estrelas da TV brasileira, também apareceram colegas de profissão indignados, alguns chegaram ao cúmulo de injuriá-lo, chamando-o de “anta”, ou simplesmente negaram-lhe o pertencimento à categoria profissional de ator.
Nesse ponto, ouso divergir da maioria e sair em defesa de Caio Castro. Diferentemente do que se afirmou por aí, quase à unanimidade, Caio não é um mau exemplo. Pelo contrário. É um exemplo que eu espero sinceramente seja seguido daqui por diante. Sim, pois como ele há dezenas, centenas, senão a maioria dos que hoje dão vida a este patético circo televisivo. No mundo das telenovelas, então, a falta de leitura é problema que parece ter-se generalizado: nota-se um empobrecimento nos enredos da teledramaturgia, cada vez mais estereotipados, cada vez mais repetitivos, quando não descaradamente plagiados de séries de TV estadunidenses. A situação é ainda mais grave quando se trata da escolha do elenco. Papéis expressivos chegam ao cúmulo de ser confiados a atrizes e atores cujo provação artística não foi o palco do teatro, mas a extraordinária capacidade de vilipendiar a si próprio, a protagonizar toda sorte de baixarias, diante de câmeras num reality show ignóbil. Nesse mundo vazio das celebridades, já não é de hoje que a falta de talento e de respeito próprio constituem o tom monocórdio da pobreza cultural em que vive mergulhada a TV brasileira. Isso para não mencionar o famigerado “teste do sofá”, ainda hoje utilizado criminosamente por diretores sórdidos. A impressão que fica é que esqueceram a escola de teatro, optou-se pela academia: grandes atores e atrizes brasileiros dão o sangue nos palcos sem nem ver uma mísera oportunidade de atuar na televisão, enquanto modelos desnudas, praieiros retardados e marombeiros acéfalos engajam-se no protagonismo do circo televisivo. Sobram músculos e implantes de silicone, falta o básico (interpretação), falta o essencial (profissionalismo com a arte). Nesse cenário deprimente, até jogadores de futebol andam a fazer “pontas”. Neymar, quem sabe, pode vir a ser o novo Antônio Fagundes…
E por que então eu defendo que Caio Castro é um exemplo a ser seguido? Porque a sinceridade com que escancarou aos olhos do público sua falta de cultura, é um momento insólito. Não obstante, repito, boa parte dos que alimentam e fazem fortunas na TV estejam no mesmo nível cultural de um Caio Castro, quase nenhum deles viria a público revelar, com tanta franqueza, o seu desprezo pela artes e pela leitura. No mundo das celebridades, onde todos são ricos, bonitos, felizes e famosos, ninguém quer ficar por baixo. Por mais que tais celebridades fracassem em disfarçar em suas entrevistas seu mais absoluto desapego às letras, por mais que sejam flagradas com frequência a assassinar a gramática nos raros momentos em que se dispõem a escrever, ou apenas não consigam falar de outro assunto que não sejam futilidades da sua vida pessoal (com quantas pessoas já dormiram, com quem brigaram, de que marcas de roupa gostam, que corte de cabelo usam, quais seus restaurantes favoritos em Nova York etc.), raramente o espectador verá algumas delas admitir o óbvio: que são pessoas semianalfabetas, iliteratas. Para essas celebridades, nem mesmo todo o dinheiro que percebem como agentes do circo televisivo é capaz de lhes dar o patrimônio imaterial da cultura.
Maior ator brasileiro
Portanto, antes de criticar Caio Castro, deveríamos é elogiá-lo. Graças à sua sinceridade surpreendente, o público pode questionar-se hoje: que ídolos são esses que admiramos? Será que essas celebridades são merecedoras de todo o prestígio que recebem? Qual fã em sã consciência permaneceria a admirar um sujeito vazio de conteúdo? Será que é aceitável idolatrar um imbecil, um completo idiota? Ou será que não deveríamos mudar nossa atitude e julgar um artista pela sua obra, pela arte que ele é capaz de produzir?
Observando-se a polêmica da perspectiva que proponho, não há como não admirar a postura de Caio Castro. É sobretudo um sujeito coerente. Nunca se destacou como artista produtor de conteúdo, nunca foi elogiado por nada que não fossem seus atributos físicos. Seria, para dizer o mínimo, inconvincente vir a público afirmar ser leitor das tragédias de William Shakespeare, do “teatro do absurdo” de Samuel Beckett ou do “teatro do oprimido” de Augusto Boal. Caio Castro não é um artista, não é alguém capaz de produzir arte, não tem projeto de obra. É um homem-objeto, uma verdadeira lata de cerveja de micareta de carnaval. É um ator descamisado medíocre, tão descartável como tantos outros que surgiram e ainda hão de surgir na TV. Mas é sincero, coerente e íntegro. E nisso ele é admirável como nenhum outro dos seus colegas de profissão. Por isso, ao menos nesse sentido — e só nesse sentido mesmo — Caio Castro é hoje o ator mais importante do Brasil.