Walt Whitman e Oscar Wilde, os poetas americanos e irlandês se deram muito bem, beijaram-se e, depois, romperam esteticamente. O mais velho disse que o mais novo não era uma chama luminosa, mas uma luz regular
Oscar Wilde, que morreu com apenas 46 anos em 1900, talvez tenha sido o primeiro metrossexual da história, um poderoso antecessor do cantor David Bowie e do jogador de futebol David Beckham. Ao visitar os Estados Unidos, em 1882, para uma série de conferências — a principal dela “Renascimento inglês”, sobre o esteticismo —, escandalizou e mesmerizou muitos americanos e se tornou uma estrela possivelmente maior do que Charles Dickens. As roupas de Wilde, berrantes e estilosas, atraíam os olhares de homens e mulheres. Seu casaco verde, bem diferente dos sombrios casacos dos americanos, encantava a todos. Aos 28 anos, gastador inveterado, o poeta, dramaturgo e escritor irlandês estava praticamente falido e aceitou as conferências para ganhar dinheiro. A turnê rendeu 18.215,69 dólares e o criador do romance “O Retrato de Dorian Gray” faturou 5.605,15 dólares — uma quantia considerável”, diz Richard Ellmann na biografia “Oscar Wilde” (Companhia das Letras, 542 páginas, tradução de José Antônio Arantes). Há histórias divertidas e, algumas, hilariantes na visita feita aos “súditos” do rico país de Abraham Lincoln. O encontro mais impressionante, que será mais explorado neste texto, se deu com Walt Whitman, maior poeta americano. Wilde conversou também com os escritores Oliver Wendell Holmes, Edmund Gosse e Henry James e com os políticos Jefferson Davis, presidente do Sul Confederado durante a Guerra Civil Americana, e Ulysses S. Grant. O foco deste texto é o diálogo entre o “príncipe inglês” e o “rei” Whitman, mas abrirei breve espaço para o encontro com James, Gosse, Davis e Grant.
“Quando foi ao Sul para passar uma noite com Jefferson Davis”, Wilde “percebeu uma analogia entre a Confederação do Sul e a irlandesa; ambas saíram à luta e tombaram, e a busca do autogoverno tornava-as semelhantes”, anota Ellmann. Ao término do encontro histórico, o escritor teria dito: “Os princípios pelos quais Jefferson Davis e o Sul empreenderam a guerra não podem ser derrotados”. O biógrafo conta que, mais tarde, Wilde relatou “que, no Sul, toda vez que se fazia algum comentário, respondiam: ‘Precisava ter visto isso antes da guerra’. Ele só percebeu o grau de devastação acarretada pela guerra quando, certa noite, em Charleston, virou-se para uma pessoa e disse: ‘Como é linda a lua!’. Como resposta obteve: ‘Precisava tê-la visto antes da guerra, senhor’”. Depois do encontro com Grant, em Long Branch, Wilde avaliou que o Norte tinha “características admiráveis”.
Os encontros com escritores não foram, no geral, agradáveis, dada a quase nenhuma diplomacia de Wilde. O escritor Edmund Gosse, ao notar que a celebridade irlandesa (ou inglesa) havia se encantado com ele, disse: “Receei que o sr. se decepcionasse”. Wilde respondeu, irônico: “Oh, não, nunca me decepciono com literatos. Acho-os perfeitamente encantadores. Decepciono-me apenas com suas obras”. Gosse ficou furioso.
Convidado para um almoço na casa de um juiz, Wilde compareceu “de calções e com um enorme lenço de seda amarela”. O general McClellan, o da Guerra Civil Americana, e o escritor Henry James estavam presentes. O autor de “Retrato de uma Senhora” e “Washington Square” (recém-saídos do prelo) fingia não prestar atenção no irlandês escandaloso, mas, ao saber que ele havia dito que “nenhum romancista inglês pode ser comparado a [William Dean] Howells e James, ficou “satisfeito” (a sra. Henry Adams, amiga de James, não quis conversa com o conferencista, pois o achava um “pateta”).
Ellmann escreve que, “por cortesia e curiosidade, James resolveu visitar Wilde no hotel para agradecer-lhe” pelo elogio. O autor de “As Asas da Pombas” disse: “Estou saudoso de Londres”. O irlandês não perdoou: “Mesmo? Afeiçoa-se a lugares? Meu lar é o mundo”. “Para” James, “especialista em desenraizamento, nenhuma característica refutava com mais veemência o valor do esteticismo do que a falta de raízes. Ao final do encontro, James estava irado. Wilde ofendeu-o dizendo: ‘Estou indo para Bossston; lá tenho uma carta do caríssimo amigo de meu caríssimo amigo — a Charles Norton de Burne-Jones’. James conhecia bem os dois homens, bem demais para apreciar a jocosa menção dos dois nomes”, diz Ellmann. À sra. Henry Adams, James disse: “‘Hosscar’ Wilde é um tolo presunçoso, um grosseirão de quinta categoria, um animal imundo”. Ellmann garante que, apesar de não “perder a piada”, antes perdendo o amigo, Wilde apreciava a prosa de James.
Oliver Wendell Holmes teria sido ofuscado pela conversa brilhante de Wilde. Holmes era considerado o “conversador” mais notável de Boston. As tiradas do irlandês sempre chamavam a atenção e eram publicadas na imprensa americana. A Sam Ward e a Marion Crawford queixou-se: “Onde acabará tudo isto? Metade do mundo não crê em Deus, e a outra metade não crê em mim”. Na verdade, os ingressos para as conferências eram disputados a tapa e os americanos ficavam embasbacados… mais com Wilde que com suas ideias. Seus calções, “que expunham suas bem-torneadas pernas e os pés”, despertavam amplo interesse na plateia. No palco, o escritor dizia que o Renascimento inglês era “uma espécie de novo nascimento do espírito do homem”, um “produto da união do helenismo com o romantismo, Helena de Troia com Fausto” (o texto entre aspas é de Ellmann, reproduzindo a opinião de Wilde). Os esteticistas, afirmava Wilde, “celebravam a forma em detrimento do conteúdo”.
Mas é o encontro com o poeta Whitman a parte mais encantadora da passagem de Wilde pelos Estados Unidos. Aos 63 anos, Whitman era o maior poeta americano, também renomado na Europa. Wilde era sempre cercado por repórteres, que descreviam detidamente seus trajes, suas ideias e trejeitos, e era obrigado a responder a toda sorte de perguntas. Uma de suas conferências foi sobre decoração. Suas ideias sobre o assunto são curiosas, pois permanecem atuais. Noutra conferência debateu a importância do artesanato contra a produção em série.
Um repórter quis saber qual era o poeta americano que mais admirava. Wilde não hesitou: “Penso que Walt Whitman e Emerson deram ao mundo mais do que qualquer outro”. Ellmann corrige o escritor, ligeiramente: “Na verdade Wilde estimava sobretudo Poe, ‘este maravilhoso senhor da expressão rítmica’, mas Poe estava morto”. Aos repórteres entusiasmados — Wilde era apresentado como hoje são exibidos cantores de rock ou de música pop —, repetia: “Quero demais conhecer o sr. Whitman. Talvez não seja muito lido na Inglaterra, mas os ingleses só apreciam um poeta após sua morte. Há algo de extremamente grego e equilibrado em sua poesia; ela é tão abrangente, tão universal. Contém todo o panteísmo de Goethe e de Schiller”.
Inicialmente, Whitman não quis sair de Camden, em Nova Jersey, para se encontrar com Wilde, mas, após ouvir os elogios, enviou um cartão para J. M. Stoddart, amigo do escritor: “Walt Whitman estará em casa esta tarde das 14 às 15h30 e terá prazer em ver o sr. Wilde e o sr. Stoddart”.
Ellmann diz que, no início, Wilde apresentou-se de maneira humilde: “Vim como poeta visitar outro poeta”. Humildade? Um garoto de 28 anos, poeta de qualidade, mas não da qualidade de Whitman, apresentar-se desta forma é um gesto de humildade? Whitman disse-lhe: “Continue”. “Procuro-o como a alguém com quem estou familiarizado praticamente desde o berço”, disse Wilde. O escritor irlandês revelou que sua mãe havia comprado “Folhas de Relva”, a bíblia de Whitman, logo após a publicação. “Lady Wilde”, escreve Ellmann, “lia os poemas para o filho, e mais tarde, quando Wilde foi para Oxford, ele e os amigos carregavam um exemplar de ‘Folhas de Relva’ para ler durante os passeios”.
Satisfeito com a arenga, Whitman ofereceu um “vinho de sabugo de fabricação caseira” ao colega poeta. “Vou chamá-lo de Oscar”, disse, já íntimo, Whitman. “Colocando a mão no joelho do poeta”, Wilde acedeu: “Gosto muito disso”. O poeta americano achava o companheiro irlandês, 35 anos mais jovem, “um rapaz bonito e elegante”. No entanto, no lugar de perguntar de sua poesia, quis saber sobre Swinburne. Conversa vai, conversa vem, Whitman deu uma fotografia sua para o novo amigo.
Quando Wilde falou dos escritores do esteticismo, integrantes do suposto “novo renascimento”, Whitman, apreensivo, “perguntou sobre Tennyson, cuja ‘melodia verbal, quase sempre perfumada, como a tuberosa, de extrema doçura’, admirava intensamente”. Por isso quis saber: “Vocês, jovens companheiros, estão pensando em excluir os ídolos consagrados, Tennyson e os demais?” Wilde, que depois atacaria Tennyson, contemporizou: “De modo algum. A posição de Tennyson está bem assegurada, e nós gostamos muito dele”. E atacou levemente: “Mas ele não se permitiu fazer parte do mundo existente e das grandes tendências de interesse e de ação. Seu valor é inestimável e, no entanto, vive fora de seu tempo. Vive em um sonho do irreal. Nós, por outro lado, vivemos no próprio cerne do hoje”. Ellmann assinala que “Whitman aprovou com um sinal de cabeça a última e pomposa frase”.
Conquistado o poeta mais velho, Wilde quis saber sua opinião sobre o esteticismo. Reticente, mas polidamente, Whitman respondeu: “Desejo-lhe boa sorte, Oscar; quanto aos estetas, posso apenas dizer que são jovens e apaixonados, que o campo é vasto, e, se quer meu conselho, vá em frente”. Sem demonstrar embaraço, Wilde quis saber sobre as teorias de poesia e de composição de Whitman, que respondeu: “Bom, você sabe, no passado trabalhei como tipógrafo, e quando um tipógrafo chega ao fim de uma linha composta ele para e continua na linha seguinte”. Seria uma explicação do verso livre, no qual Whitman era expert. E acrescentou: “Meu objetivo é fazer meus versos parecerem elegantes e atraentes nas páginas, como um epitáfio em uma lápide quadrada. São problemas que estou sempre procurando resolver”. Ellmann não vê nenhuma ironia na exposição, e talvez não haja mesmo.
A conversa começou a esquentar quando Wilde, agora nada humilde, disse: “Não consigo ouvir ninguém, a menos que me sinta atraído por um estilo encantador, ou pela beleza do tema”. Whitman protestou: “Ora, Oscar, sempre me pareceu que procede mal um colega que busque a beleza por ela mesma. Penso que a beleza é resultado, não uma abstração”. Wilde condescendeu (é a opinião de Ellmann): “Sim, lembro-me de você dizer: ‘Toda beleza provém do sangue belo e de um cérebro belo’, e, afinal, também penso assim”.
Whitman aprovou o elogio de Wilde às massas americanas, que seriam “superiores” às inglesas e europeias. A conversa, que era para durar alguns minutos, durou mais de duas horas. Quando Wilde ia saindo de sua casa, Whitman gritou-lhe: “Adeus, Oscar, Deus o abençoe”. A Stoddart, emocionado, Wilde chamou o poeta americano de “o nobre velho”. Stoddart disse que o vinho de sabugo devia ser muito ruim, mas Wilde indignou-se: “Se tivesse vinagre, eu o teria bebido da mesma forma, pois tenho por aquele homem uma admiração que mal sei expressar”. A um repórter, acrescentou: “É o homem mais nobre que conheci, o mais simples, o mais espontâneo, e mais forte personalidade que jamais encontrei na vida. Considero-o um daqueles homens maravilhosos, magnânimos e íntegros que poderiam ter vivido em qualquer época sem terem pertencido a qualquer povo. Forte, autêntico e perfeitamente lúcido: a mais estreita semelhança com os gregos que já encontramos nos tempos modernos”.
Wilde dizia, então, que a poesia de Whitman, na menção de Ellmann, “era toda conteúdo e nenhuma forma” (o que contrariava seus próprios princípios). Mais tarde, num julgamento mais crítico, disse de Whitman: “Se não um poeta, é um homem que faz e fez o apropriado, talvez nem prosa nem poesia, mas algo que lhe é próprio, original e único”. O verso livre, uma revolução, foi percebido assim pelo bardo irlandês. Whitman, instado a avaliar Wilde, disse, segundo Ellmann, que o irlandês “tinha a suprema virtude de ser jovem e ‘muito franco, direto e decidido’”. Quase sempre afetado, ao conversar com Whitman, Wilde descartou os maneirismos. “Vi os bastidores”, disse o americano, que atacou os críticos do novo amigo: “Não vejo por que o ridicularizam escrevendo essas coisas. Ele tem a fala arrastada da sociedade inglesa, mas sua pronúncia é melhor do que a que já ouvi de um jovem inglês ou irlandês”. Ao jovem amigo Henry Stafford, o autor de “Folhas de Relva” disse: “Wilde teve o bom senso de agradar-se de mim”.
Numa segunda visita a Whitman, sem a presença de intrusos, a conversa foi mais animada. Wilde relatou ao amigo George Ives “que Whitman não se preocupou em esconder dele sua homossexualidade”. “Ainda sinto nos lábios o beijo de Walt Whitman”, admitiu, prazerosamente, Wilde. “Embaixo de uma dedicatória de Whitman, Wilde escreveu sobre ele: ‘O espírito que vive inocentemente mas ousou beijar a boca ferida de seu próprio século’”, cita Ellmann.
Em 1888, seis anos depois, Whitman rompeu literariamente com Wilde em “Ramos de Novembro”: “Ninguém entenderá meus versos insistindo em vê-los como realização literária […] ou como se aspirassem sobretudo à arte e ao esteticismo”. O poeta americano definitivamente não queria ser guru do movimento “liderado” por Wilde. Este, ao se defender, sugeriu que “o valor da poesia de Whitman residia ‘em sua profecia, não em sua realização. […] Como homem, ele é precursor de um novo modelo. Contribuiu para a heroica e espiritual evolução do ser humano. Se a poesia o desdenhou, a filosofia o levará em conta’”. Whitman atacou por último: “Ele [Wilde] nunca foi uma chama luminosa, mas foi uma luz regular”. Comparado a Whitman, como poeta, certamente Wilde é “uma luz regular”, enquanto o americano é “uma chama luminosa”. Mas algumas de suas peças, e mesmo o romance “O Retrato de Dorian Gray”, além do belíssimo canto do cisne “De Profundis”, merecem crédito. Além de Wilde ser um frasista admirável, amplamente citado. O conflito entre Whitman e Wilde resulta de uma guerra de estrelas — uma julgando-se superior à outra. Mas deve ser realmente “duro” quando o “novo” percebe que não é superior ao “velho”.