Aprovada lei que multará as mulheres-lindas-de-parar-o-trânsito

Aprovada lei que multará as mulheres-lindas-de-parar-o-trânsito

Não me importunem. Não sou “A Bela da Tarde”. E se eu fosse a Catherine Deneuve? E se eu fosse a Anitta? E se eu fosse o Pabllo Vittar? E se eu duplicasse as consoantes do meu nome? E se eu fosse a Rita Cadilac? E se eu estacionasse o meu carro sobre a sua língua comprida e infame numa faixa de pedestres? E se essa mulher hipotética fosse a minha própria filha, uma mulher bonita, uma beldade de parar o trânsito? Se ela fosse a minha filha, eu não gostava da hora do rush, eu não gastava o meu dinheiro com o pagamento desse tipo de multa. Freud, por obséquio, explica isso pra essa gente.

Não sou mais um desses “porcos” que as algumas feministas esbravejam por aí. Não voto nos candidatos da extrema-direita. Estou extremamente feliz por não ter nascido canhoto. Canhotos sofrem; mulheres, idem. A literatura me liberta, por outro lado, me faz tomar porrada. Não quero os militares de volta às guerras, muito menos, ao governo deste país. Não sou truculento. Não digo palavras chulas a uma mulher, a não ser que ela implore por elas. Concordo em ganhar menos dinheiro do que a minha companheira. Aliás, sonho em ser dono de casa. Não exijo transar sem camisinha. Não gosto de pegar geral, de pagar prostitutas; não é que eu seja um caloteiro; acontece que eu não curto frequentar bordéis e viajar para congressos com acompanhantes viçosas de nível universitário. Sou otário, mas, não me furto em me meter numa briga de marido e mulher. Não consinto com o abuso sexual, com o estupro de mulher alguma, em nenhuma circunstância, quem dirá, as feias, minhas parceiras de feiura e desencanto. Deixo um lastro de sarcasmo por todo canto, onde quer que eu escreva, notem isso, farejem isso, cavem no quintal dos seus olhos o real sentido dessas palavras, pelo amor de Deus, caprichem na interpretação de texto, isso aqui não é bula de remédio.

Analfabetismo tem cura; burrice, não. Sinto que a humanidade está dando marcha à ré. O mundo não apenas continua cruel, como está ficando chato à beça. Depois do advento das redes sociais, então, anda enfadonho, insuportável. Na internet, as pessoas parecem mais infernais que o habitual. Não me sinto realizado, por exemplo, ao tocar punheta na frente de um laptop. Grande merda, Romeu. Eu preferia as revistas masculinas, as mãozinhas femininas da Ritinha, os seus dedinhos delicados, aquelas unhas com o esmalte vermelho meio lascado, sabem como é? Quantos treponemas foram tratados com penicilina. Hoje, não. Os vírus da ignorância são os micróbios da vez, incuráveis, controláveis por potentes antivírus baixados pelo computador.

A humanidade é viciada em polêmicas. Isso me irrita de forma abissal. A controvérsia da vez diz respeito ao assédio sexual contra as mulheres. E dá-lhe blá-blá-blá. Existe, por exemplo, uma onda crescente de denúncias contra celebridades nos Estados Unidos, em especial, figuras carimbadas do cinema norte-americano. Em contraponto, recentemente, o jornal “Le Monde” publicou um manifesto assinado por cem francesas influentes, dentre elas, a veterana atriz Catherine Deneuve. Como continua linda a Belle de Jour. A reação das feministas foi furiosa e imediata. Se eu fosse mulher, se eu fosse francesa, se eu fosse convidado, assinava também, mas, com ressalvas. Não acredito em beijo roubado. Não concordo que um homem possa tocar o corpo de uma mulher sem (con)sentimento. A versão brasileira dos encoxamentos de passageiras dentro de ônibus e metrôs é bizarra, inconcebível, deplorável.

Relutei algumas vezes em escrever este texto. O tema é vespeiro. Porém, eu me senti encorajado ao lembrar de uma entrevista da atriz-cantora Bibi Ferreira num programa de TV. Quando lhe questionaram o que mais a incomodava na velhice, Bibi respondeu que era o fato de passar despercebida pelos homens, de não se sentir desejada. Estou convicto que era disso que o manifesto das francesas falava: romance, conquista e autoconfiança. Nenhum ser humano sensato haverá de defender a violência contra meninos, meninas e mulheres. Logo, se eu fosse um servente de obra, não gritava palavrões, mas, assoviava, sim, para uma moça bonita caminhando pela calçada. Não me importunem. Eu não sou a Catherine Deneuve. Eu sou apenas um homem ordinário que, assim como as mulheres, não gosta de apanhar nem com uma flor.

Eberth Vêncio

É escritor e médico.