Pedimos aos leitores e colaboradores da Revista Bula que apontassem, entre passagens literárias memoráveis, quais eram as maiores declarações de amor da história da literatura. Na lista, aparecem personagens dos mais díspares perfis, em comum entre eles, apenas a paixão flamejante. De Humbert Humbert, personagem de Vladimir Nabokov, descrevendo Dolores Haze, em “Lolita”— o mais citado —, até a metáfora da pedra de Bolonha, do romance “Os Sofrimentos do Jovem Werther”, de Goethe, que imortaliza não apenas o amor de Werther por Carlota, mas todos os grandes amores da literatura universal. Abaixo, a lista baseada no número de citações e uma pequena amostra do amor incendiário dos personagens selecionados.
(De André Gorz para Dorine Keir)
Você está para fazer oitenta e dois anos. Encolheu seis centímetros, não pesa mais do que quarenta e cinco quilos e continua bela, graciosa e desejável. Já faz cinquenta e oito anos que vivemos juntos, e eu amo você mais do que nunca. De novo, carrego no fundo do meu peito um vazio devorador que somente o calor do seu corpo contra o meu é capaz de preencher. Eu só preciso lhe dizer de novo essas coisas simples antes de abordar questões que, não faz muito tempo, têm me atormentado. Por que você está tão pouco presente no que escrevi, se a nossa união é o que existe de mais importante na minha vida?
(Bentinho sobre Capitu)
Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me dá ideia daquela feição nova. Traziam não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca. Para não ser arrastado, agarrei-me às outras partes vizinhas, às orelhas, aos braços, aos cabelos espalhados pelos ombros; mas tão depressa buscava as pupilas, a onda que saía delas vinha crescendo, cava e escura, ameaçando envolver-me, puxar-me e tragar-me.
(De Basílio para Luísa)
Que outros desejem a fortuna, a glória, as honras, eu desejo-te a ti! Só a ti, minha pomba, porque tu és o único laço que me prende à vida, e se amanhã perdesse o teu amor, juro-te que punha um termo, com uma boa bala, a esta existência inútil. E Luísa tinha suspirado, tinha beijado o papel devotamente! Era a primeira vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades, e o seu orgulho dilatava-se ao calor amoroso que saía delas, como um corpo ressequido que se estira num banho tépido; sentia um acréscimo de estima por si mesma, e parecia-lhe que entrava enfim numa existência superiormente interessante.
(De Pip para Estella)
Você é parte da minha existência, parte de mim. Você esteve em cada linha que já li desde que vim aqui pela primeira vez, quando ainda era o garoto comum e rude cujo pobre coração você partiu. Você esteve em todos os projetos que eu fiz desde então — nos rios, nas velas dos navios, nos pântanos, nas nuvens, na luz, na escuridão, no vento, nos bosques, no mar, nas ruas. Você era a encarnação graciosa de todas as fantasias que a minha mente alguma vez concebeu. Estella, até minha última hora de vida, você não tem escolha senão permanecer parte da minha natureza, parte do pouco bem que existe em mim, e parte do mal. Mas, nesta separação, eu a associo ao bem; e aí a manterei sempre fielmente, pois você me fez muito mais bem do que mal, não importa a profunda angústia que eu possa sentir agora. Que Deus a abençoe, e que Deus a perdoe.
(De Dom Quixote para Dulcinéia)
Ó Dulcinéia del Toboso, dia da minha noite, glória da minha pena, norte dos meus caminhos, estrela da minha ventura (assim o céu te depare favorável em tudo que lhe pedires!), considera, te peço, o lugar e o estado a que a tua ausência me conduziu, e correspondas propícia ao que deves à minha fé! Ó solitárias árvores, que de hoje em diante ficareis acompanhando a minha solidão, dai mostras com o movimento das vossas ramarias de que vos não anoja a minha presença! Ó tu, escudeiro meu, agradável companheiro em meus sucessos prósperos e adversos, toma bem na memória o que vou fazer à tua vista, para que pontualmente o repitas à causadora única de tudo isto!
(De Julieta para Romeu)
Meu inimigo é apenas o teu nome. Continuarias sendo o que és, se acaso Montecchio tu não fosses. Que é Montecchio? Não será mão, nem pé, nem braço ou rosto, nem parte alguma que pertença ao corpo. Sê outro nome. Que há num simples nome? O que chamamos rosa, sob uma outra designação teria igual perfume. Assim Romeu, se não tivesse o nome de Romeu, conservara a tão preciosa perfeição que dele é sem esse título. Romeu, risca teu nome, e, em troca dele, que não é parte alguma de ti mesmo, fica comigo inteira.
(Humbert sobre Dolores Haze)
Lolita, luz de minha vida, labareda em minha carne. Minha alma, minha lama. Lo-li-ta: a ponta da língua descendo em três saltos pelo céu da boca para tropeçar de leve, no terceiro, contra os dentes. Lo. Li. Ta. Pela manhã ela era Lô, não mais que Lô, com seu metro e quarenta e sete de altura e calçando uma única meia soquete. Era Lola ao vestir os jeans desbotados. Era Dolly na escola. Era Dolores sobre a linha pontilhada. Mas em meus braços sempre foi Lolita. Será que teve uma precursora? Sim, de fato teve. Na verdade, talvez jamais teria existido uma Lolita se, em certo verão, eu não houvesse amado uma menina primordial.
(Heathcliff sobre Catherine Earnshaw)
Pois que desperte em tormento! — Bradou ele com assustadora veemência, batendo o pé e soltando um grito, num súbito paroxismo de cólera incontrolada. — Por que mentiu ela até o fim? Onde está ela? Não está aqui, nem no Céu, nem morta! Onde está então? Oh! Disseste que não te importava que eu sofresse! Pois o que eu te digo agora, repeti-lo-ei até que minha língua endureça: Catherine Earnshaw, enquanto eu viver não descansarás em paz! Disseste que te matei. Pois então assombra-me a existência! Os assassinados costumam assombrar a vida dos seus assassinos, e eu tenho a certeza de que os espíritos andam pela terra. Toma a forma que quiseres, mas vem para junto de mim e enlouquece-me! Não me deixe só, neste abismo onde não te encontro! Oh! Meu Deus! É indescritível a dor que sinto! Como posso viver sem a minha vida? Como posso eu viver sem a minha alma?
(Werther sobre Carlota)
Hoje não pude ir ver Carlota, uma visita inesperada me segurou em casa. Que havia a fazer? Mandei o meu criado ao encontro dela, só para ter junto de mim alguém que tivesse estado em sua presença. Com que impaciência o esperei, com que alegria tornei a vê-lo! Não tivesse vergonha e teria me atirado ao seu pescoço e coberto seu rosto de beijos. Falam que a pedra de Bolonha, quando exposta ao sol, absorve seus raios e reluz por algum tempo durante a noite. Dava-se o mesmo comigo e aquele rapaz. A lembrança de que os olhos de Carlota haviam pousado em seu rosto, em suas faces, nos botões de sua casaca e na gola de seu sobretudo, tornava-o tão querido, tão sagrado para mim!
(Martín Santomé sobre Avellaneda)
Ah, os velhos tempos em que Avellaneda era só um sobrenome, o sobrenome da nova auxiliar (faz apenas cinco meses que anotei: A mocinha não parece ter muita vontade de trabalhar, mas pelo menos compreende o que a gente explica), a etiqueta para identificar aquela pessoinha de testa ampla e boca grande que me olhava com enorme respeito. Ali estava ela agora, diante de mim, envolta em sua manta. Não me lembro de como era ela quando me parecia insignificante, inibida, nada além de simpática. Só me lembro de como é agora: uma deliciosa mulherzinha que me atrai, que me alegra absurdamente o coração, que me conquista.