Mila Kunis como você nunca viu: atuação digna de Oscar, na Netflix Divulgação / Indigenous Media

Mila Kunis como você nunca viu: atuação digna de Oscar, na Netflix

O êxito avassalador de “Quatro Dias com Ela” repousa na confluência de performances memoráveis de duas atrizes de altíssimo calibre e na condução rigorosa de um diretor que equilibra sensibilidade e técnica com maestria. Rodrigo García demonstra, desde a cena inicial, o legado de sua linhagem: filho de Gabriel García Márquez, o cineasta se destaca por explorar as complexidades mais profundas da condição humana, frequentemente alcançando resultados tão surpreendentes quanto impactantes. Neste longa, García aplica seu talento para tensionar as relações, entregando uma narrativa crua e implacável sobre os tormentos de uma mãe empenhada em resgatar sua filha do abismo das drogas.

A história baseia-se no drama real de Amanda Wendler, uma jovem de classe média do sul da Califórnia cuja vida desmorona após um acidente que a leva ao vício em oxicodona ainda na adolescência. O roteiro, assinado por García em parceria com Eli Saslow, transita habilmente entre memórias dolorosas de Wendler e um humor mordaz que emerge das interações mais improváveis. Sem qualquer tentativa de romantização, o filme retrata a relação entre mãe e filha como um laço frágil e inexplicável que persiste, mesmo diante de um passivo emocional devastador.

O contraste entre os momentos iniciais, com uma aparente serenidade à beira-mar, e os cenários subsequentes é brutal. Margaret Wheeler, interpretada por Mila Kunis, surge primeiramente como uma garota cheia de vida, mas rapidamente se transforma em uma figura quase irreconhecível: suja, abatida e com dentes deteriorados pelo abuso de opioides. O choque visual é intencional, forçando o público a encarar a realidade desoladora do vício. Mila Kunis entrega uma atuação visceral, transmitindo com veracidade o desespero e a vulnerabilidade de sua personagem. Do outro lado, Glenn Close encarna Deb, uma mãe exaurida por anos de promessas quebradas, mas que ainda nutre uma fagulha de esperança, mesmo que esta ameace se extinguir a cada recaída da filha.

A relação entre Deb e seu segundo marido, Chris, vivido por Stephen Root, acrescenta uma camada de complexidade ao drama. O casamento balança sob o peso das crises familiares, mas não desmorona, sustentado por um amor incondicional que contrasta com a fragilidade dos outros laços. García não poupa o espectador do grotesco e do doloroso, especialmente ao retratar as recaídas de Molly, mas equilibra esse realismo com momentos de ternura que sugerem a possibilidade de redenção.

O desfecho é um testemunho da resiliência, tanto da protagonista quanto de sua mãe. A transformação física de Molly, embora sutil, simboliza o início de um processo de reconstrução. Mila Kunis, agora sem as marcas visíveis do vício, oferece um vislumbre da mulher que ela pode voltar a ser, mas sem ilusões: o filme deixa claro que a recuperação é um caminho longo e incerto, trilhado dia a dia, sem garantias ou milagres.

“Quatro Dias com Ela” transcende o retrato de um drama familiar para se tornar uma meditação sobre amor, sofrimento e esperança. Com atuações impressionantes e uma direção impecável, o filme captura a essência das batalhas travadas em silêncio por aqueles que se recusam a desistir, mesmo quando tudo parece perdido.

Filme: Quatro Dias Com Ela
Diretor: Rodrigo Garcia
Ano: 2020
Gênero: Drama
Avaliaçao: 9/10 1 1
★★★★★★★★★