Baseado em história real, drama impactante com Glenn Close e Mila Kunis está na Netflix Divulgação / Indigenous Media

Baseado em história real, drama impactante com Glenn Close e Mila Kunis está na Netflix

O êxito retumbante de “Quatro Dias com Ela” se sustenta em uma engrenagem primorosamente ajustada, ancorada na performance de duas atrizes excepcionais e no olhar meticuloso de um diretor que mantém firme controle sobre cada detalhe, sem nunca perder o ritmo técnico. Desde os primeiros instantes, Rodrigo García revela sua herança artística. Filho de Gabriel García Márquez, o cineasta exibe em sua obra uma profundidade de sensibilidade comparável à do pai, explorando os recônditos mais complexos da psique humana. Neste longa, García demonstra habilidade singular ao manipular a narrativa com crueza e realismo, mergulhando no desespero de uma mãe que luta incansavelmente para salvar sua filha do devastador vício em drogas.

O drama de Amanda Wendler, uma jovem de classe média do sul da Califórnia, se desenrola com intensidade avassaladora. Aos 17 anos, após um incidente trivial, ela sucumbe à dependência de oxicodona, traçando uma trajetória dolorosa que o roteiro de García e Eli Saslow captura sem suavizar os horrores da realidade. A trama reflete as memórias mais árduas de Wendler, sem buscar embalar o sofrimento em sentimentalismos fáceis, mas ao contrário, revelando um humor ácido e desconcertante, que permeia a relação entre mãe e filha. Esse vínculo, embora à beira do colapso, persiste de forma quase inexplicável.

As cenas iniciais, cheias de uma melancolia doce, contrastam de maneira brutal com o que virá. O diretor habilmente constrói um ambiente de angústia crescente, enquanto o relacionamento entre mãe e filha se degrada. Molly, a jovem vivida por Mila Kunis, é retratada num momento em que compartilha uma aparente tranquilidade com a mãe, brincando na praia, sob o brilho suave do outono. No entanto, sem qualquer aviso, a narrativa avança para um futuro sombrio, onde Molly aparece irreconhecível, fisicamente e emocionalmente devastada pelo abuso de opioides, com uma aparência deteriorada e quase irreparável.

O desafio para o público é reconhecer a estrela Mila Kunis por trás de uma caracterização tão crua e desoladora. Interpretando uma mulher que perdeu quase toda sua dignidade, Kunis oferece uma atuação visceral, na qual implora pela compaixão da mãe. Deb, vivida com maestria por Glenn Close, inicialmente mantém uma postura rígida, uma força inabalável diante da repetição incessante de promessas vazias, de mentiras desesperadas e da destruição emocional causada pelo vício da filha.

Cada gesto de Deb evidencia uma exaustão que transcende o cansaço físico; é o fardo emocional que resulta de anos de batalhas perdidas contra o vício da filha, que a levou a frequentar inúmeras clínicas de reabilitação, a ouvir desculpas que já não fazem sentido e a suportar o roubo de bens que, por mais insignificantes que parecessem, representavam algo inestimável no coração de uma mãe.

O que torna o filme tão poderoso é o contraste entre a vulnerabilidade explosiva de Kunis e a contenção quase dolorosa de Close. Enquanto Molly se entrega à histeria, Deb responde com uma calma que eventualmente também se desmorona. As tensões familiares vão escalando, e o casamento de Deb com Chris, vivido por Stephen Root, balança perigosamente, sem desmoronar totalmente graças ao amor incondicional que ele ainda nutre por ela. A habilidade de García em manejar esse dilema familiar complexo é impressionante. O segundo ato mergulha ainda mais profundamente nas recaídas de Molly, sem jamais abandonar a esperança, tão desesperada quanto palpável, de que, em algum momento, ela possa se reerguer.

O final sugere uma possibilidade de redenção. Embora as cicatrizes emocionais e físicas permaneçam, Kunis recupera algo de sua força perdida, insinuando que, embora o caminho para a recuperação seja árduo, talvez intransponível, há espaço para esperança. A conclusão do filme, ao contrário de oferecer resoluções fáceis, enfatiza que a luta contra o vício é travada diariamente, sem garantias, sem milagres.


Filme: Quatro Dias com Ela
Direção: Rodrigo García
Ano: 2020
Gênero: Drama
Nota: 9/10