Aplaudido por 10 minutos em Cannes, vencedor do Oscar com Brad Pitt e Cate Blanchett está na Netflix Divulgação / Paramount Pictures

Aplaudido por 10 minutos em Cannes, vencedor do Oscar com Brad Pitt e Cate Blanchett está na Netflix

Todo mundo, em algum momento, já ouviu falar sobre o efeito borboleta, aquela teoria que sugere uma conexão muitas vezes invisível entre acontecimentos aparentemente desconexos, em que causas e consequências inusitadas acabam se entrelaçando. É com essa premissa que se pode começar a compreender a lógica que sustenta “Babel”, de Alejandro González Iñárritu. O filme tece três narrativas que, à primeira vista, parecem separadas, mas são unidas por coincidências e pelo peso do destino.

Mais que isso, o longa examina as tragédias que pontuam a vida cotidiana de pessoas comuns e também daquelas consideradas excepcionais, que, mesmo com seus talentos ou sorte, acabam esmagadas pelas engrenagens imprevisíveis do destino. Em seu cerne, o filme explora a falha profunda que impede os seres humanos de se comunicarem adequadamente, uma questão que o diretor simboliza através da lenda bíblica da Torre de Babel, onde o esforço de ascender aos céus só causou ainda mais caos e desordem na Terra.

Essa sensação de descontrole, de um caos irreversível, permeia toda a narrativa, que se desenrola ao longo de 143 minutos sem jamais oferecer uma saída fácil. Ao lado de Guillermo Arriaga, Iñárritu constrói com precisão a terceira parte de uma trilogia que iniciou com “Amores Brutos” (2000) e seguiu com “21 Gramas” (2003), mostrando novamente sua habilidade em manejar histórias fragmentadas que convergem em um turbilhão de tragédias. Em “Babel”, personagens espalhados por diferentes pontos do globo jamais se encontram, mas compartilham o mesmo destino trágico.

O ponto de partida é uma caçada no Marrocos, onde um empresário japonês, em busca de algo que o preencha, oferece seu rifle ao guia local como uma lembrança de sua viagem. O guia, por sua vez, vende a arma a um amigo, que a adquire para proteger seu rebanho dos chacais. Mas o objeto passa para as mãos de Yussef, o filho mais novo do homem que compra o rifle.

A tragédia não demora: em uma brincadeira de pontaria, Yussef dispara contra um ônibus de turistas, acertando a americana Susan Jones, vivida por Cate Blanchett, que estava de férias com seu marido, Richard, interpretado por Brad Pitt. O casal, que já se mostrava desconfiado da cultura e do povo local, agora se vê em um verdadeiro pesadelo, com Susan gravemente ferida em um país onde os recursos médicos são escassos, e o medo da morte e da precariedade se tornam seus companheiros.

Enquanto isso, em San Diego, Amélia, a babá mexicana dos filhos de Susan e Richard, enfrenta seu próprio dilema. Com a ausência dos patrões, ela não tem com quem deixar as crianças, Mike e Debbie, e decide levá-las consigo para o casamento de seu filho no México. Essa escolha impulsiva coloca todos em uma situação de risco, transformando a jornada numa experiência que beira o surrealismo. Adriana Barraza, que interpreta Amélia, entrega uma performance de impacto, revelando uma personagem presa entre o dever e o desespero, sendo um dos destaques do filme.

O enredo avança, ligando ainda a história de um empresário japonês e sua filha, Chieko, uma jovem surda-muda que enfrenta suas próprias dificuldades de comunicação e solidão. Kōji Yakusho e Rinko Kikuchi, que interpretam pai e filha, entregam atuações marcantes, dando vida a personagens que, em meio a toda a confusão global de “Babel”, ilustram de maneira poética a desconexão humana e o desejo de se fazer entendido em um mundo de ruídos e mal-entendidos.

Ao fim, “Babel” faz um retrato brutal da incomunicabilidade que define as relações humanas. As tragédias que envolvem esses personagens, distantes geograficamente, mas unidos por fios invisíveis, ressaltam o quanto estamos todos presos em nossos próprios universos de incompreensão. Alejandro González Iñárritu constrói um épico contemporâneo, onde cada ação tem suas consequências globais, e a falta de diálogo, literal ou figurativa, emerge como o verdadeiro vilão de um mundo cada vez mais fragmentado.


Filme: Babel
Direção: Alejandro G. Iñárritu
Ano: 2006
Gêneros: Thriller/Drama
Nota: 9/10